Carol Jess |
O Grupo de Pesquisa em Gênero e Sindicalismo foi estabelecido em 2009, como aliança de base entre sindicalistas, ativistas do mundo do trabalho e pessoas do meio acadêmico. O foco deste grupo de pesquisa (GP) é ampliar as contribuições acadêmicas relativas à posição ocupada pelas mulheres nos sindicatos. Sua força reside na profundidade das experiências que os pesquisadores do grupo trazem para suas atividades acadêmicas. Como já se argumentou, “os pesquisadores são tanto ‘de dentro’ (
O grupo se interessa pela participação das mulheres nos sindicatos por diversas razões. De particular importância para o GP é o fato de que apesar de um número crescente de mulheres se filiar a sindicatos pelo mundo afora, esse aumento de participação não se reflete na ocupação de postos de liderança sindical. O grupo concebeu, desenvolveu e está implementando um banco de dados projetado especificamente para acompanhar a presença da mulher em postos de direção sindical e em outros espaços de poder no interior do movimento. Um fator impulsor é desenvolver uma consciência sindical sobre os déficits de democracia de gênero e considerar ações voltadas a eliminar essas diferenças de gênero.
Este fator impulsor está enraizado no conceito freireano de conscientização e no compromisso do grupo com a práxis. A combinação de conscientização com a tradução da teoria para a prática de modo a promover a mudança social, ou práxis, há tempos está no âmago da atuação acadêmica feminista (Ledwith, 2012: 343). Embora se aceite há muito tempo que existe uma ‘crise’ no movimento sindical, a maior parte dos ativistas e dirigentes sindicais passa a vida lidando com as questões mais imediatas e urgentes – não costuma ter o luxo do tempo para refletir sobre o que o sindicato deveria ser ou se tornar. O uso de métodos interativos de pesquisa pode proporcionar, tanto a acadêmicos quanto a ativistas, um espaço de reflexão sobre estas questões e algum progresso no pensamento estratégico.
Renovação sindical
Voss e Sherman (2000: 311-12) apuraram que mudanças demográficas internas fizeram com que os sindicatos alterassem ativamente a maneira como sindicalizavam trabalhadores, resultando num amplo leque de mudanças políticas e trabalhistas positivas incluindo “enfocar questões como dignidade e justiça, além das preocupações materiais”. É com essa mudança interna, como parte da renovação sindical, que nossa pesquisa visa contribuir de maneira muito prática.
Banco de dados piloto 2012
O piloto foi feito pedindo que os 15 membros do GP fornecessem dados quantitativos e qualitativos sobre seu próprio sindicato – fosse ele local, nacional ou uma confederação. Estas informações foram coletadas por meio de um levantamento via Internet. O questionário atual é uma versão adaptada do questionário usado em entrevistas presenciais pelos integrantes do GP para compilar seus estudos de caso anteriores. Isto se fez para manter conexão com a pesquisa anterior, e para garantir o máximo de coerência, considerando os diferentes métodos de coleta de dados.[1]
Nosso primeiro conjunto de dados estáticos foi convertido para o formato Excel e em seguida re-formatado.[2]
Dados sobre lideranças
Analisou-se a proporção de mulheres filiadas a cada organização e em quais elas faziam parte (ou não) da direção. Entre aquelas que tinham os dados disponíveis, a proporção de mulheres filiadas ficava entre 40% e 77,33%. Porém, a proporção de mulheres nas principais instâncias decisórias não reflete esses números. Por exemplo, as mulheres representam 77% dos integrantes do Sindicato dos Serviços de Saúde (HSU) da Austrália, ao passo que detêm apenas 50% dos postos do Conselho Nacional e da Conferência Nacional. Dos seis países abarcados, somente a Austrália e a Nova Zelândia registraram algumas mulheres na presidência de sindicatos (Gâmbia registrou uma vice-presidenta). Como já foi dito, este não é um exercício pleno de coleta de dados. Entretanto, dadas as respostas, parece que mesmo onde as mulheres são maioria da base sindical, elas não são representadas na mesma proporção nas estruturas de direção.
Dados sobre estruturas de mulheres
Nas últimas décadas, algumas conquistas foram alcançadas ao se incorporar nas negociações coletivas pautas diretamente relacionadas à temática de gênero, em decorrência da criação e uso de estruturas e coletivos de mulheres (Britwum et al., 2012: 57). A compilação de dados sobre onde e como tais estruturas são usadas poderia ser uma ferramenta poderosa, permitindo que as “melhores práticas” fossem compartilhadas entre os membros do GP, além de considerar se existem questões culturais ou políticas especiais que possam afetar o êxito dos espaços próprios das mulheres dentro de nossos sindicatos.
As estruturas discutidas foram: Comissão Nacional de Mulheres; Conferência Nacional de Mulheres; posições de Ação Afirmativa para a Executiva Nacional; posições de Ação Afirmativa para o Congresso/Conferência Nacional; metas para a representação das mulheres na Executiva Nacional; metas para a representação das mulheres no Congresso/Conferência Nacional; e metas para a representação das mulheres em comissões de negociação no local de trabalho.
Das quatro organizações representadas nas respostas, o Sindicato de Trabalhadores em Instituições Financeiras e Aliados de Zâmbia (ZUFIAW) tinham todas estas estruturas, mas a central sindical Congresso de Sindicatos de Zâmbia (ZCTU) tinha apenas a Comissão Nacional da Mulher e a Conferência Nacional da Mulher. Ademais, no âmbito do ZCTU, julgou-se que as estruturas eram “ineficazes”. Já as estruturas do ZUFIAW foram consideradas “eficazes” ou “muito eficazes”. Então, mesmo dentro de um único país não há uma abordagem “do movimento sindical” para se aumentar a participação das mulheres por meio destas estruturas específicas.
As outras respostas foram sobre Gana, onde todas as estruturas existem, mas a Conferência Nacional da Mulher e a Comissão Nacional da Mulher são “ineficazes”, e sobre a Austrália, onde tais estruturas não existem.
O banco de dados em 2013
O GP passou um tempo na Escola de Verão em Cajamar, no Brasil, discutindo os produtos do banco de dados piloto e as avaliações feitas por outros colegas da GLU. Para lidar com as limitações técnicas de se compartilhar dados num “banco de dados” formal, a intenção é que os dados coletados mediante a pesquisa online sejam apresentados numa página aberta na Internet. A intenção é que os dados produzidos não só se aprofundem à medida que mais pessoas se envolvam, mas também que nos forneçam uma série histórica para estudos longitudinais.
Para maximizar a comparabilidade dos dados, acordamos que eles devem proceder das entidades sindicais nacionais e suas afiliadas. Embora este processo possa se mostrar difícil inicialmente, acreditamos que a coleta contínua de dados constituirá fonte valiosa de informações para ativistas acadêmicos e acadêmicos ativistas que visem renovar e revitalizar o movimento sindical global.
O banco de dados no futuro
O banco de dados será atualizado anual ou semestralmente com a intenção de permitir estudos longitudinais sobre os avanços da presença das mulheres nas direções sindicais nos países participantes da pesquisa. Também se espera que quaisquer lacunas nos dados venham a identificar espaços para novas pesquisas e para que ativistas pressionem suas próprias organizações para coletar dados sobre a participação das mulheres.
Conclusão – estratégia para mudanças
Esta pesquisa ao mesmo tempo se vale da literatura sobre renovação sindical e contribui com ela. Tal literatura demonstra a falsidade de certas caracterizações do que constitui um integrante “normal” de um sindicato. Ao abalar tais compreensões, ela visa contribuir com a renovação e crescimento dos sindicatos. Como discutido anteriormente, muito tem sido escrito quanto à necessidade de renovação e revitalização sindical. Olhando-se a continuada falta de êxito no que se refere a aumentar o número de sindicalizados e a densidade sindical – particularmente nas economias liberais de mercado do Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e EUA – deve haver uma certa aceitação da crise de legitimidade defendida por Dufour e Hege (2010).
Esperamos que este banco de dados seja usado como base concreta por ativistas e acadêmicos (e ativistas acadêmicos) para conformarem suas estratégias e políticas por mudanças em seus sindicatos e federações. Almeja-se avançar a causa de uma maior e mais relevante representação feminina nos sindicatos, impulsionando transformações nas hierarquias existentes, de modo a criar espaço para uma nova e mais ampla participação no movimento sindical.
A aliança transnacional que formou este GP composto por ex-alunos da Global Labour University (GLU) deve ser encarada como exemplo particularmente sólido do tipo de discurso e espaço político feminista – discutido por Franzway e Fonow (2011) – que tem se aberto. Ela permite que seus integrantes atuem como atores políticos transnacionais e, espera-se, desenvolvam suas capacidades e as de outros para serem os futuros líderes do movimento sindical global. A existência da GLU em geral, e da rede de ex-alunos em particular, é muito valiosa por prover espaços para o desenvolvimento de discursos globais, cuja contribuição para o impulso por políticas sociais progressistas pelo mundo afora não deve ser menosprezada
[1] A pesquisa piloto está disponível em: http://www.surveymonkey.com/s/GLU2012
[2] O conjunto de dados completo está disponível em: http://gender-tus.wikidot.com/
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Carol Jess é doutoranda do Centro de Relações Industriais da Universidade Victoria em Wellington, Nova Zelândia. Sua pesquisa é sobre estratégias de renovação sindical. Além disso, ela trabalha com o Grupo de Pesquisa de Ex-alunos da GLU sobre Gênero e Sindicalismo.
REFERÊNCIAS
Britwum, A., Douglas, K. e Ledwith, S. (2012). “Women, Gender and Power”, in Sarah Mosoetsa and Michelle Williams (orgs.), Labour in the Global South: Challenges and alternatives for workers. OIT, Genebra, pp. 41-64.
Danieli, A. (2006). “Gender: the missing link in industrial relations research”. Número especial sobre gênero e relações trabalhistas. Industrial Relations Journal, 37(4), pp. 329-44.
Fraser, N. (2000). “Rethinking recognition”. New Left Weekly, 3, maio-junho .
Ledwith, S. (2012). “Outside, Inside: gender work in industrial relations”. Equality, Diversity and Inclusion: An International Journal, 31(4), pp. 340-58.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.