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terça-feira, 3 de junho de 2014

Como alcançar o Trabalho Decente?

Ben Selwyn

A questão do Trabalho Decente (TD) – o emprego sob condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade – é, fundamentalmente, uma questão de desenvolvimento humano. A Agenda do Trabalho Decente (ATD) se tornou parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, diversos governos do mundo assinaram suas principais convenções e as instituições internacionais incorporaram a ATD aos seus discursos de desenvolvimento. Apesar destes avanços, as possibilidades de se alcançar o Trabalho Realmente Decente (TRD) para a classe trabalhadora do mundo parecem distantes. Há várias razões para tal. Uma delas é a natureza limitada e conservadora da ATD e a incapacidade conceitual da OIT de vincular o TRD a processos mais amplos de desenvolvimento humano. A fraqueza conceitual do TD emana da incapacidade de seus autores de olhar para além da relação de subordinação do trabalho com respeito aos estados e o capital. O TD não gera uma visão de um mundo fundamentalmente diferente, mas de uma versão melhorada do presente. Esta acomodação ao presente leva a uma profunda fraqueza teórica e conceitual que está no cerne do conceito de TD, tanto que solapa seus próprios objetivos imediatos. Ou seja, os esforços da OIT para promover o TD são valiosos, mas sua incapacidade de adotar categorias teóricas que expliquem as razões pelas quais o trabalho indecente existe acabam por minar seu objetivo e manietar os esforços da classe trabalhadora para melhorar suas condições.

Esta contribuição enfoca três fraquezas do TD: a incapacidade da OIT de fazer valer suas normas e os perigos de cooptação da agenda do TD por instituições de elite; a incapacidade da OIT de explicar adequadamente as razões pelas quais existe o trabalho indecente; e, mais fundamentalmente, sua fraca concepção das relações de classe no capitalismo. O restante da contribuição usa o projeto Better Factories Cambodia [Fábricas Melhores – Camboja] como estudo de caso para sustentar a crítica acima, e em seguida conclui explicitando uma agenda alternativa para o TRD.

Fiscalização Fraca e Vulnerabilidade a Cooptação pela Elite
A primeira e dupla fraqueza é o perigo de cooptação do TD por instituições de elite e a incapacidade da OIT de fazer valer suas normas. Recentemente, tem havido uma convergência entre a OIT e o Banco Mundial. Em seu Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2013 intitulado ‘Empregos’ (World Bank: 2012), o Banco sugere que a geração de empregos constitui uma política desenvolvimentista, que a legislação trabalhista e o salário mínimo contribuem para a redução da desigualdade de renda, que densidade sindical alta reduz a desigualdade salarial, e que normas trabalhistas voluntárias são insuficientes para proteger e aumentar a qualidade dos empregos numa economia. Contudo, o relatório não discute estratégias de mobilização sindical e desconsidera os efeitos dos sindicatos sobre a redução da pobreza. De forma semelhante, a OIT não concebe as lutas dos trabalhadores como sendo nem desenvolvimentistas nem capazes de fazer avançar a implementação do TD. A incapacidade da OIT de fazer valer o TD permite que atores de elite cooptem seus princípios para usá-los como estratégias para melhorar a imagem de suas marcas, enquanto negam as melhorias propaladas pela OIT.

Incapacidade de Explicar as Causas do Trabalho Indecente
A Agenda do Trabalho Decente é relativamente desprovida de análises sobre as causas do trabalho indecente e processos que contribuiriam para seu melhoramento. Supõe-se que a combinação de políticas públicas incorretas e arranjos micro-institucionais inapropriados são as causas do trabalho precário. Por exemplo, Frank Hoffer (2011) argumenta que “a violação dos direitos dos trabalhadores não resulta em melhor desempenho comercial”. Evidentemente, este não é o caso. A China contemporânea oferece um exemplo de primeira linha de crescimento econômico acelerado com base na intensa exploração do trabalho e na negação dos direitos básicos dos trabalhadores.

Fraca Concepção das Relações de Classe no Capitalismo
O problema mais fundamental na ATD é sua fraca concepção das relações de classe e sua incapacidade de identificar os processos sistêmicos de exploração característicos do capitalismo. Este problema deriva da suposição de que dado o contexto institucional correto, o capital não explora o trabalho. Para citar Hoffer (2011) novamente, “os mercados precisam ser governados: senão eles nos governam”. Na mesma linha, o ‘fundador’ do TD, Juan Somavia (2010), sugere que não é o capitalismo per se, e sim a sua variante neoliberal que tem a culpa. Os argumentos aqui expostos dão conta de que os defensores do TD têm como alvo a natureza da governança dos mercados, e não suas características intrínsecas.

O Projeto Better Factories Cambodia e os Limites da Agenda do Trabalho Decente
Como consequência destas três fraquezas, há frequentemente uma grande lacuna entre a adoção dos princípios do TD e a sua prática. O exemplo do Camboja é instrutivo.[1]  Em 1999, os governos do Camboja e dos Estados Unidos assinaram um acordo comercial de quotas com três anos de vigência baseado em melhorias nas condições de trabalho nas fábricas têxteis e confecções do país. Miller (2009: 14) observa que o projeto resultante Better Factories Cambodia “talvez seja o esforço de monitoramento mais abrangente e sistemático do mundo a governar uma base nacional de insumos ao setor do vestuário”. A remuneração se regularizou em boa parte do setor, houve um boom nas exportações e o número de postos de trabalho subiu para cerca de 265.000 em meados da década de 2000.

Apesar destes êxitos, Miller observa que outras melhorias – também urgentes – à remuneração e às condições dos trabalhadores, tais como liberdade de associação, negociação coletiva e redução da excessiva jornada de trabalho, continuam sendo esperanças distantes, com numerosos casos de demissão injusta de trabalhadores e hostilização de delegados sindicais. Isto tem levado a um amplo descontentamento, manifestado na forma de greves por todo o setor. Ele também observa que apesar de não fazer parte dos objetivos da OIT no projeto Better Factories Cambodia, a demanda por salários dignos estava no cerne de muitas das greves. Isto se deu porque numa “economia em que se estima um salário mensal de US$82 para se viver, os trabalhadores do vestuário ganhavam em média o equivalente a US$65 por mês em 2005, incluindo horas extras e abonos” (ibid: 22). A produtividade dos trabalhadores (ou a taxa de exploração) tem aumentado por todo o setor, à medida que este tem se expandido. A experiência do Better Factories Cambodia reflete a disposição das empresas em usar os arranjos de Trabalho Decente e de Responsabilidade Social Empresarial como marcas de reputação para fazer avançar sua penetração no mercado global, enquanto intensificam suas práticas trabalhistas fundamentalmente exploradoras.

Trabalho Realmente Decente
Uma concepção alternativa de TRD partiria de uma análise do processo de trabalho capitalista. Devido ao fato das empresas se relacionarem umas com as outras por meio de concorrência constante, o processo de trabalho se caracteriza por uma busca infindável pela produtividade, com vistas à maximização da velocidade e intensidade da realização das tarefas. O capital reorganiza continuamente “um sistema de relações de poder… para definir e fazer valer a disciplina do processo de trabalho” (Brighton Labour Process Group, 1977: 13). Estas relações sociais explicam por que o capital procurará reduzir a um mínimo, se não eliminar por inteiro, atividades dos trabalhadores que possam limitar seus lucros. Em países de desenvolvimento tardio as empresas precisam intensificar ainda mais o processo de trabalho para atingir a competitividade internacional. A disseminação global das relações sociais capitalistas tem significado a incorporação de bilhões de trabalhadores às redes globais de produção, baseadas na pobreza e em salários de quase-pobreza.

Como, então, alcançar o TRD? O aprofundamento da democracia, o estabelecimento do estado do bem estar social e o avanço dos direitos dos trabalhadores na Europa do pós-guerra resultaram não de um pacto da elite em torno de concepções de trabalho decente, mas do medo que a classe dominante tinha das lutas de massas de baixo para cima. Nas palavras do futuro Lorde Hailsham no parlamento britânico, em 1943: “Se você não der a reforma social ao povo, o povo lhe dará a revolução social”.

Lutas de massas no Brasil, na África do Sul e na Coréia do Sul no final da década de 1970 e começo da década de 1980 levaram à (re)democratização destes países e a melhorias significativas (pelo menos por um tempo) nas condições dos trabalhadores. Do mesmo modo, o temor de rebeliões e/ou lutas sociais são fontes de avanços reais no padrão de vida dos trabalhadores sob o capitalismo global contemporâneo – dos amplos movimentos grevistas na China, que estão lentamente elevando os salários e aumentando a representação dos trabalhadores na Federação Nacional dos Sindicatos da China (que é conduzida pelo estado), às lutas dos trabalhadores brasileiros da agricultura de exportação (Selwyn: 2012). A luta de classes – das empresas de cima para baixo (para negar o TRD) e dos trabalhadores de baixo para cima (para alcançá-lo) – é o ingrediente conceitual chave que os defensores do TD excluem (de propósito?) de sua descrição das dinâmicas contemporâneas globais do trabalho.

Para que se alcance o TRD, o conceito precisa ser reformulado por meio de uma análise do processo capitalista produção, que é intrinsecamente explorador, e estar enraizado numa concepção de luta de classes de baixo para cima, centrada nos trabalhadores. Ao priorizar analiticamente os arranjos institucionais entre estados, capital e ela mesma – em detrimento da atividade dos próprios trabalhadores – a OIT e os defensores do Trabalho Decente contribuem com a desmobilização precisamente dos atores que podem fazer acontecer o tipo de melhoria que eles querem. Uma abordagem alternativa é priorizar analiticamente as tentativas dos trabalhadores de melhorar suas condições e compreender que arranjos institucionais entre capital, trabalho e o estado são, ao menos em parte, resultados destas lutas de baixo para cima. Os movimentos sindicais precisam ter uma concepção da luta pelo TRD de curto, médio e longo prazo. No curto prazo, as lutas imediatas por melhores salários e condições devem ser apoiadas (por organizações como a OIT) e vencidas. No médio prazo, os sindicatos e outras organizações dos trabalhadores precisam se transformar em movimentos capazes de formular e forçar a implementação, nacional e internacionalmente, de uma agenda de desenvolvimento humano que incorpore os princípios do TD. No longo prazo, as organizações da classe trabalhadora precisam se pensar como impulsoras primordiais do desenvolvimento humano, principalmente por meio da luta para expandir a democracia na esfera econômica e determinar as condições sob as quais a produção, distribuição e consumo da riqueza ocorre.

[1] Ver também o excelente trabalho de Dennis Arnold sobre este assunto, por exemplo, Arnold (2013).

Baixe este artigo em PDF

Ben Selwyn é professor de Relações Internacionais e Estudos do Desenvolvimento na Universidade de Sussex em Brighton, Reino Unido, e escreve sobre trabalho e desenvolvimento.

Referências
Arnold, D. (2013), ‘Better Work or “Ethical Fix”? Lessons from Cambodia’s Apparel Industry’, Global Labour Column. 155. Novembro.

Brighton Labour Process Group. 1977. The Capitalist Labour Process. Capital & Class (1): 3-22.

Hoffer, F. (2011), ‘Decent Work 2.0’, Global Labour Column. 78: Novembro.

Miller, D. (2009), ‘Business as usual? Governing the supply chain in clothing – Post MFA phase-out: The case of Cambodia’, International Journal of Labour Research. 1(1): 9-33.

Selwyn, B. (2012), ‘Trade Unions, Class Struggle and Development’, Global Labour Column. 92: Março.

Somavia, J. (2010), ‘Working For Decent Work For All Everywhere’, Global Labour Column. 31: Setembro.

World Bank, 2012, World Development Report 2013: Jobs. Washington, DC: World Bank.

Se o leitor não conseguir acesso aos artigos citados nesta coluna, o autor se prontifica a fornecê-los. Faça sua solicitação escrevendo para b.selwyn@sussex.ac.uk.

As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.

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