“Sim, nós conseguimos!”[1] Esta afirmação capta muito bem o ânimo jubilante do último dia do Congresso de Fundação da Federação Internacional dos Trabalhadores Domésticos (FITD), em 2013. É também o título de um livro lançado no evento, que conta a história de como os trabalhadores domésticos se organizaram para conquistar a Convenção dos Trabalhadores Domésticos (C 189), na Conferência Internacional do Trabalho (CIT) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 16 de junho de 2011.
Pouco mais de dois anos mais tarde, os trabalhadores domésticos tiveram outro êxito. Superou-se mais uma etapa importante, com a formação de uma federação plenamente constituída e democrática, da qual fazem parte 48 organizações de trabalhadores domésticos, o que representa cerca de 300 mil servidores de todo o mundo. Isto garantirá que a Convenção não seja esquecida e que a luta por emprego decente para os trabalhadores domésticos continuará de maneira coordenada e sustentada.
O lançamento da FITD tem implicações amplas, pois marca um momento importante na história do Movimento Operário. Pela primeira vez, uma organização sindical global foi formada por mulheres dos segmentos mais pobres da sociedade, com uma direção exclusivamente feminina. A transformação da rede em federação global foi decidida por representantes de 42 países.
O Congresso de Fundação foi realizado em Montevidéu, Uruguai, entre 26 e 28 de outubro de 2013. O Uruguai foi escolhido porque foi o primeiro país a ratificar a Convenção sobre Trabalho Doméstico da OIT e o primeiro da América Latina a ter um acordo coletivo formal, negociado entre um sindicato de trabalhadores domésticos, empregadores e o governo. Além disso, os trabalhadores domésticos latino-americanos têm a mais longa tradição de se organizar em âmbito local, nacional e regional.
De rede à federação
Imediatamente após a adoção da C 189 pela OIT, a então denominada Rede Internacional dos Trabalhadores Domésticos (RITD) se concentrou em duas metas: lutar e conquistar a ratificação (e a implementação) da C 189, e construir uma organização internacional de trabalhadores domésticos baseada em princípios democráticos. A organização consistiria apenas de sindicatos ou associações de trabalhadores domésticos, isto é, de organizações efetivamente compostas por associados, regidas por regras, com lideranças eleitas pelos associados e que prestassem contas a eles. A RITD trabalhou muito intimamente com Organizações Não Governamentais (ONGs) desde o começo, mas a primeira Comissão Diretora da RITD deixou bem claro que os trabalhadores domésticos queriam falar por si. Logo, as ONGs foram bem vindas na condição de organizações de apoio, mas sem poderes decisórios.
Durante o período de dois anos que antecedeu o Congresso, e começando durante as negociações da CIT de 2011, a Comissão Diretora da Rede trabalhou forte a construção de seu novo lar. Ela desenvolveu os princípios sob os quais a nova federação funcionaria e articulou discussões entre organizações de trabalhadores domésticos.
Com as coordenadorias internacionais e regionais, ela se lançou à tarefa de recrutar organizações para se filiarem formalmente. Diversas discussões foram necessárias para se acordar um formato de filiação que possibilitasse julgar se uma organização era efetivamente composta por associados e verdadeiramente liderada por trabalhadores domésticos, ou se era uma instituição de apoio ou ONG. O processo também ajudou a compreender como as organizações estavam funcionando. Várias conversas também ocorreram no sentido de acordar um esboço de estatuto que assentasse os alicerces, princípios e regras para uma organização de trabalhadores domésticos unida.
Muitas organizações e indivíduos apoiaram a RITD na luta pela C 189 e na transformação em federação formal. Contudo, o apoio incondicional e incansável, desde o comecinho, veio da federação sindical global UITA,[2] da rede global de ação-pesquisa-política WIEGO[3] e do Instituto Global do Trabalho (GLI).[4]
“Nós apoiaremos tudo que sirva o propósito de organizar melhor os trabalhadores domésticos,” disse Ron Oswald, Secretário Geral da UITA, em 2009. Sua afirmação significou que a UITA aceitaria qualquer processo decisório da RITD e não imporia quaisquer requisitos em troca de seu apoio. A UITA também deu um lar à RITD, oferecendo suporte administrativo e político de sua assessoria e estruturas decisórias, marcando assim um arranjo inovador e flexível.
A WIEGO ajuda diferentes grupos de trabalhadoras informais a construir e fortalecer suas organizações. A rede oferece apoio estratégico e prático a organizações de trabalhadoras informais, especialmente para redes setoriais regionais e internacionais. Ela também busca facilitar sua colaboração com o movimento sindical estabelecido. A UITA já havia sido integrante da WIEGO anteriormente, mas agora os laços poderiam se fortalecer. Durante o período de dois anos das negociações com a OIT, a Assessora Europeia da WIEGO foi transferida para a UITA para atuar como coordenadora internacional da RITD. E mais ou menos na mesma época, a Secretária de Igualdade da UITA entrou para a Diretoria da WIEGO.
Toda a determinação e o trabalho duro deram resultado: no dia 28 de outubro de 2013, o Estatuto da FITD foi adotado por unanimidade e a Comissão Executiva e o Secretariado foram eleitos. Nascia a FITD.
Apoio sindica
Nem sempre foi fácil obter o apoio do movimento sindical estabelecido. Por exemplo, quando a RITD pleiteou, junto a centrais sindicais, que incluíssem representantes dos trabalhadores domésticos em suas delegações nacionais que compareceriam às negociações da CIT, para que pudessem sentar-se à mesa de negociações numa posição equânime, nem todas as respostas foram positivas.
Contudo, o processo na OIT e seu resultado exitoso encerraram lições para todos. A principal foi que o enorme sucesso na OIT, e para além dela, deveu-se ao envolvimento e participação direta dos próprios trabalhadores domésticos.
Entretanto, não se quer aqui subestimar o papel do movimento sindical como tal: o Escritório de Atividades para os Trabalhadores (ACTRAV) desempenhou um papel crucial na preparação do terreno para a discussão na CIT, e deu um apoio enorme ao longo de todo o processo, juntamente com a Confederação Sindical Internacional (CSI). E desde a adoção da C 189, eles têm continuado a oferecer forte apoio para a promoção dos direitos dos trabalhadores domésticos pelo mundo afora. Logo após a adoção da C 189, a CSI começou a campanha “12 até 12” (querendo dizer 12 ratificações até 2012). Esta foi a primeira vez que a CSI investiu numa campanha pela ratificação de uma Convenção da OIT. E ela pôde fazê-lo porque organizações ativas de trabalhadores domésticos continuavam fazendo o trabalho de base que havia começado com o processo da OIT. Portanto, foi possível aproveitar as alianças e o trabalho colaborativo das organizações de trabalhadores domésticos com centrais sindicais nacionais, governos, ONGs e às vezes também empregadores, entre outros.
Obviamente, o momento estava maduro para este acontecimento. Mais e mais sindicatos ao redor do mundo têm reconhecido que enfrentam não só uma queda em seu número de sócios, mas também que têm deixado de lado aqueles que, em muitos países, são maioria: os trabalhadores informais.
Agora, um grupo ocupacional entre eles se dispôs a pisar o cenário internacional pela primeira vez: um grupo composto de trabalhadores domésticos, em sua maioria mulheres, dos quais muitos se organizaram em circunstâncias muito difíceis por um longo tempo, trabalhando em residências particulares, escondidos e invisíveis.
O Congresso
Havia 80 delegados votantes no Congresso de Fundação, vindos de 48 associações e sindicatos filiados. A eles se juntaram cerca de 100 trabalhadores domésticos locais, além de sindicalistas de outros setores e países, representantes da CSI e da OIT, bem como muitas ONGs e pesquisadores. Membros do governo uruguaio também participaram e falaram a respeito da legislação do país, acordos coletivos e seguridade social para trabalhadores domésticos. Até o presidente do Uruguai fez uso da palavra, dizendo o quanto estava orgulhoso de ser o anfitrião do Congresso.
Este não foi um encontro sindical internacional qualquer. Para muitos dos trabalhadores domésticos presentes, era a primeira vez que compareciam a um evento desse tipo – organizado por eles, para eles. Para alguns, foi a primeira vez que viajaram a outro país. Para outros, significou sacrifício. Uma delegada indiana relatou como sua delegação precisou tirar de 8 a 10 dias de férias para poder participar do Congresso, que teve 3 dias de duração.
Oficinas preparatórias regionais foram realizadas na véspera do Congresso. Nelas, os delegados se debruçaram sobre o esboço do estatuto e indicaram seus representantes regionais para a Comissão Executiva. Tais preparativos garantiram que os procedimentos eleitorais e o estatuto fossem bem compreendidos antes do Congresso propriamente dito, e que os delegados tinham intimidade com o processo. Naturalmente, diferenças de idioma, tradições de sindicalização e cultura fizeram com que houvesse ideias questionadas e também diferentes interpretações.
Contudo, a boa preparação deu resultado. O estatuto foi adotado por unanimidade e a eleição da Comissão Executiva e do Secretariado foi conduzida de forma aberta, democrática e tranquila.
Num discurso emocionante em 28 de outubro, Dan Gallin, do GLI e ex-Secretário Geral da UITA, resumiu o quão significativo era aquilo que os trabalhadores domésticos haviam conquistado e as implicações para o futuro de todo o movimento sindical:
“Vocês criaram uma federação de trabalhadores que até recentemente não eram sequer percebidos como trabalhadores. Vocês demonstraram que não existem trabalhadores “não sindicalizáveis”. Sob o impacto de novas formas de capitalismo, a classe trabalhadora mudou e ainda está mudando. Ela se tornou fragmentada, incerta quanto à sua identidade. O movimento sindical não tem se mantido a par dessas mudanças. Sua reação tem sido confusa e fraca. Nossa tarefa agora é restaurar a identidade de todo o povo trabalhador como classe, e restaurar o movimento sindical como o instrumento da emancipação. Vocês fazem parte desse processo, vocês fazem parte da renovação do movimento sindical.”[1] Celia Mather, 2013. “Yes We Did It!” How the World’s Domestic Workers Won Their International Rights and Recognition. WIEGO e RITD
[2] União Internacional de Trabalhadores da Alimentação, Agrícolas, Hotéis, Restaurantes, Tabaco e Afins
[3] Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando
[4] www.global-labour.org
Christine (Chris) Bonner é Diretora do Programa de Organização e Representação da WIEGO.
Barbro Budin é Secretária de Igualdade e Gerente de Projetos na UITA. No processo de colaboração com a WIEGO para desenvolver a RITD/FITD, ela passou a integrar a Diretoria da WIEGO.
Karin Pape é Assessora Europeia da WIEGO e Coordenadora Europeia da FITD. Durante as negociações na OIT sobre a Convenção para os trabalhadores domésticos (2009-11), ela foi a Coordenadora Internacional da RITD.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.