Mark Anner, David Kucera e Dora Sari |
O cumprimento das normas trabalhistas internacionais contribui para o desenvolvimento econômico, ou o seu descumprimento significa uma vantagem comparativa para alguns países? Estamos testemunhando uma “corrida ladeira abaixo” em matéria de normas trabalhistas? E em que medida as respostas para essas perguntas dependem do nível de desenvolvimento de um país, bem como dos setores industriais e das normas trabalhistas específicas em questão? Na ausência de respostas claras, o debate referente aos efeitos das normas trabalhistas sobre o desenvolvimento econômico tem se intensificado junto à rápida expansão de acordos comerciais preferenciais que incluem disposições trabalhistas. O mesmo acontece com a discussão sobre mega-acordos comerciais inter-regionais, como o agora premiado— Acordo de Associação Transpacífico (TPP, por sua sigla em inglês) e a Associação Transatlântica para o Comércio e o Investimento (TTIP, por sua sigla em Inglês), que geraram debates acalorados em vários foros políticos de alto nível.
Embora essas perguntas existam há muito tempo, ainda não temos respostas medianamente garantidas. Chegado o momento, estas últimas não deveriam questionar o objetivo de melhorar os níveis de cumprimento das normas trabalhistas internacionais, mas, sim, fornecer informações acerca das estratégias a seguir para alcançá-lo. Apesar de inúmeros trabalhos de pesquisa sobre o assunto, continua a haver um gargalo fundamental, a saber, a forma em que se mede corretamente uma série de normas trabalhistas internacionais, sobretudo acerca da liberdade de associação e negociação coletiva (FACB, por sua sigla em inglês), cuja determinação é difícil. Para preencher essa lacuna, o Centro para os Direitos Globais dos Trabalhadores da Universidade Estadual da Pensilvânia e a Global Labour Universtity introduziram novos indicadores para os direitos trabalhistas, que são acompanhados por um conjunto de dados.
A importância e o papel dos direitos FACB
A importância e o papel dos direitos FACB têm sido questionados por muito tempo, apesar de serem um dos quatro direitos trabalhistas fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foram consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e em outros instrumentos internacionais e regionais para a proteção dos direitos humanos. Estes direitos sobressaem não só devido à sua importância para o trabalho e para os resultados econômicos, mas também porque eles agem como suportes indispensáveis da democracia, dos processos de democratização e da longa busca pela justiça social. Isso foi reconhecido pelo Prêmio Nobel da Paz de 2015, outorgado ao Quarteto Nacional de Diálogo da Tunísia — que integra organizações operárias e empresariais — por sua contribuição para a construção de uma democracia pluralista.
A importância de aprofundar a compreensão dos efeitos do cumprimento das normas trabalhistas internacionais para o desenvolvimento se ressalta ainda mais à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), recentemente aprovados pelas Nações Unidas. Esses incluem metas relacionadas com a necessidade de proteger os direitos trabalhistas (Meta 8 do ODS 8) e os direitos fundamentais (Meta 10 do ODS 10). A preocupação com esses direitos também se expressa no relatório sobre os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação no local de trabalho apresentado pelo relator especial perante a Assembleia Geral da ONU em 2016 (Kiai, 2016).
Método e site de acompanhamento
Os novos indicadores para os direitos trabalhistas e o conjunto de dados têm como finalidade fornecer informações exaustivas, tanto quantitativas como qualitativas, sobre o estado dos direitos FACB no mundo. Os indicadores são baseados diretamente sobre as definições das Convenções 87 (Convenção sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização) e 98 (Convenção sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva) da OIT e de outras fontes de jurisprudência relacionadas com o organismo. Os indicadores para os direitos trabalhistas encaram os direitos FACB em nível legal e na prática. Eles são construídos para quase todos os Estados Membros da OIT mediante a codificação dos resultados de nove fontes de texto, de relatórios primários preparados pelos órgãos de supervisão da OIT ao relatório emblemático sobre a violação dos direitos sindicais da Confederação Sindical Internacional (CSI), os relatórios de direitos humanos do Departamento de Estado dos Estados Unidos e legislações nacionais.
As informações recolhidas a partir dessas fontes são codificadas de acordo com 108 critérios de avaliação em representação dos diferentes tipos de violação dos direitos FACB, tais como violações dos direitos civis fundamentais, do direito dos trabalhadores de constituir organizações e de se filiar a elas, dos direitos relacionados com o funcionamento interno dessas organizações, do direito à negociação coletiva e do direito à greve. O site apresenta as informações de forma acessível e transparente. Outro aspecto inovador dos indicadores é dado pelo uso do método Delphi para a ponderação de 108 critérios de avaliação a partir das opiniões de especialistas reconhecidos internacionalmente em matéria de legislação trabalhista com profundo conhecimento tanto do sistema de supervisão da OIT quanto dos direitos FACB, tal como definidos pela OIT.
O site facilita a análise dos direitos FACB, oferecendo aos usuários a possibilidade de navegar a partir de diferentes pontos de partida, por exemplo, por mapas globais, países ou tipos de violação. Ele fornece um indicador geral para os direitos trabalhistas, bem como indicadores legais e práticos. O site facilita, como característica fundamental, o acesso direto não só para a codificação de cada fonte de texto, mas ao próprio texto de cada fonte, contribuindo assim para a sua análise legal e estatística. Na opinião dos usuários alguns textos serão mais fiáveis do que outros. Para responder a esta preocupação, o site permite recalcular os indicadores automaticamente a partir da seleção de qualquer fonte ou combinação de fontes. Os indicadores e dados contidos no site até a data se referem aos anos 2012 e 2015, mas se prevê a incorporação retroativa de alguns anos selecionados até 2000 e a atualização dos dados até 2016.
Quadro 1: Violações dos direitos FACB na legislação e na prática, de acordo com cinco categorias principais, 2015
Padrões de violações dos direitos FACB
A base de dados revela que os direitos FACB continuam a sofrer severas restrições em muitos países. Codificaram-se no total 3094 violações em 2015, ou seja, em média, mais de 15 por país. Cerca de 60% foram violações da legislação, os 40% restantes constituíram violações na prática. Em 18 países foram proibidos todos os direitos FACB, em 13 se suprimiu completamente o direito à greve. Mas muitas vezes também há violações dos direitos FACB em países sem proibições tão generalizadas. Abaixo são listadas algumas das violações mais frequentes, indicando a porcentagem de países codificados que violam os mencionados direitos:
- Exclusão de certos grupos de trabalhadores dos direitos FACB (65%, direito de constituir organizações e de se filiar a elas; 51%, direito à negociação coletiva; e 58%, direito à greve);
- Discriminação antissindical (65%) e falta de proteção legal para os trabalhadores filiados sindicalmente (63%);
- Interferências de empregadores e/ou autoridades públicas (54%);
- Requisitos de autorização prévia para constituição de sindicatos e filiação (46%);
- Pré-requisitos excessivos para iniciar greves (50%) com arbitragem obrigatória (39%) e sanções severas (38%);
- Detenções e encarceramento de sindicalistas por causa de suas atividades sindicais (32%).
Divulgar as violações
As informações utilizadas para a construção dos indicadores já estão inteiramente disponíveis para o público, embora consideremos que seria muito valioso facilitar ainda mais seu acesso e aprimorar sua estruturação. Desta maneira, os usuários se informam rapidamente da —maior ou menor— frequência com que certos direitos FACB são violados e das diferenças que ocorrem entre países e regiões —na medida em que atualizarmos os indicadores— no decorrer do tempo. Para melhorar a situação em matéria de direitos FACB se devem conhecer, da forma mais ampla possível, as violações desses direitos, e se deve compreender seu impacto no desenvolvimento. Esperamos que o nosso projeto seja uma contribuição útil para alcançar esse objetivo.
Para visualizar os indicadores, e para mais informações sobre eles e sobre a metodologia utilizada, acesse o site: http://labour-rights-indicators.la.psu.edu/
Mark Anner é professor associado de Relações Laborais e do Emprego e diretor do Centro para os Direitos Globais dos Trabalhadores da Universidade Estadual da Pensilvânia.
David Kucera atua como economista-chefe da Organização Internacional do Trabalho.
Dora Sari é a principal assessora do Projeto de Indicadores para os Direitos Trabalhistas e pesquisadora do Programa de Trabalho e Vida Laboral de Harvard..
Referências bibliográficas
Kiai, M. (2016), Informe del relator especial sobre los derechos a la libertad de reunión pacífica y de asociación. Nova Iorque: Nações Unidas.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
David Kucera atua como economista-chefe da Organização Internacional do Trabalho.
Dora Sari é a principal assessora do Projeto de Indicadores para os Direitos Trabalhistas e pesquisadora do Programa de Trabalho e Vida Laboral de Harvard..
Referências bibliográficas
Kiai, M. (2016), Informe del relator especial sobre los derechos a la libertad de reunión pacífica y de asociación. Nova Iorque: Nações Unidas.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.