Michael Fichter |
Nas últimas décadas de globalização econômica, sindicatos por todo o mundo têm estado na defensiva. Seu papel de atuar como vozes dos interesses políticos e econômicos do povo trabalhador tem se marginalizado. Num ambiente de terceirização, desnacionalização, flexibilização e precarização do trabalho, os sindicatos têm perdido poder e os mercados de trabalho têm sido desregulamentados, abrindo caminho para cada vez mais trabalho precário e trabalho via agências de mão-de-obra – a “armadilha triangular”.[1]
Ao mesmo tempo em que continuam lutando para proteger os instrumentos regulatórios conquistados a duras penas em âmbito nacional, os sindicatos têm também buscado abordagens transnacionais para combater a concorrência internacional descontrolada, que é alimentada pela “corrida rumo ao fundo do poço” em termos de custos de mão-de-obra. O desafio reside em desenvolver uma estratégia que sirva de resposta política e organizativa ao dilema que enfrentam: como fazer valer o poder dos sindicatos, na forma de entidades organizadas local ou nacionalmente, face à lacuna regulatória transnacional no âmbito das relações trabalhistas.
Meu argumento é que a ferramenta mais importante que os sindicatos criaram para desempenhar esta tarefa é o Acordo Marco Global (AMG). Contrastando com o caráter unilateral e voluntário das medidas de responsabilidade social empresarial (RSE), os AMGs são bilaterais, negociados e firmados como documentos que expressam políticas pactuadas entre empresas transnacionais (ETNs) e Federações Sindicais Internacionais (FSIs). Baseadas principalmente nas Normas Fundamentais do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outras Convenções da OIT, eles assentam a base para a condução das relações trabalhistas num espaço ou arena delineada, ou seja, em todas as operações de uma ETN e sua rede global de produção, fornecedores, prestadores de serviços e outros parceiros de negócios. AMGs também incluem mecanismos de monitoramento e procedimentos internos de resolução de conflitos.
Durante a década de 1970, houve esforços para levar a voz coletiva dos trabalhadores para dentro da equação de poder das ETNs por meio dos conselhos mundiais de empresa. Tais esforços fracassaram, pois foram ignorados pelas ETNs que deveriam ser influenciadas. Já as tentativas de regulamentar as ETNs por meio de lobbies junto a instituições internacionais têm, em grande medida, sido ineficazes, como ficou demonstrado pelo intento sem êxito de fincar uma “cláusula social” no seio da OMC na década de 1990. Ao invés disso, as FSIs enfrentaram as empresas de frente, respondendo à proliferação de códigos de conduta empresarial e de políticas unilaterais de RSE com AMGs. E desde 2000 – mais de uma década após o primeiro AMG ser assinado – o número tem crescido exponencialmente. Hoje, há mais de 90 acordos firmados, dos quais 85 estão ativos.
Num projeto multinacional de pesquisa de 3 anos de duração, financiado pela Fundação Hans Boeckler da Alemanha, que é sustentada pelos sindicatos do país, analisamos todos os 73 AMGs assinados antes de 2011 e tomamos uma amostra de 16 deles para efeitos de estudos de caso. Todos estes 16 foram firmados com empresas sediadas em países membros da União Européia, com subsidiárias em pelo menos quatro países de quatro continentes diferentes, com sistemas nacionais de relações trabalhistas diferentes, e com posições diferentes na divisão global do trabalho: Brasil, Índia, Turquia e EUA.
Os AMGs são uma iniciativa divisora de águas. Mas como mostra a nossa pesquisa de campo,[2] e como já disseram muitos críticos, ainda falta trilhar um longo caminho. Nos quatro países apuramos uma falta de implementação disseminada. Isto se explica por uma combinação de fatores. A implementação fica a cargo de atores locais; estes representantes de trabalhadores e empresas raramente tiveram um envolvimento direto com a negociação dos AMGs. Assim sendo, eles não têm a sensação de “propriedade”, ou seja, de serem “donos” do processo. Em segundo lugar, a existência de AMGs era em grande medida desconhecida entre gestores de subsidiárias de ETNs e sindicalistas locais. Frequentemente, o acordo não tinha sido divulgado entre as subsidiárias ou, se tivesse, sua importância como uma política regulatória conjunta de trabalhadores e empresa, aplicável em toda a empresa, não havia sido transmitida adequadamente aos atores locais. Quando os sindicatos tinham conhecimento do AMG, eles em geral não tinham uma compreensão de como poderiam usar o acordo para obter reconhecimento e apoiar uma pauta de negociação.
Por sua vez, os gestores preferiam desconsiderar o caráter conjunto (empresa/trabalhadores) dos acordos e incorporá-los unilateralmente à agenda de RSE. Por último, apuramos que a maior parte dos sindicatos locais, ainda que fossem ativos na esfera internacional, tinham vínculos muito hesitantes ou tênues com sindicatos de outros países ou com as FSIs.
Ao mesmo tempo, contudo, apuramos evidências de AMGs que foram usados com sucesso em casos individuais.[3] Estes se diferenciam dos casos com implementação fraca ou inexistente porque os sindicatos em questão usaram este instrumento político estrategicamente, priorizaram sua implementação e mobilizaram os recursos necessários. Infelizmente, este tipo de abordagem é mais exceção que regra. Na realidade há quem enfatize ser imperativo que as FSIs, em conjunto com suas entidades filiadas, comecem a avançar para além da abordagem atual de gestão de crises (caso a caso, lançando mão de soluções provisórias) rumo a uma política estratégica mais pró-ativa.
Por estratégia quero dizer que os sindicatos precisam melhorar a qualidade do conteúdo dos AMGs. Muitos acordos hoje em existência são vagos e facilmente abertos a interpretações amplamente diferentes entre si. A incorporação palavra por palavra das Normas Fundamentais do Trabalho da OIT é algo absolutamente básico. Aumenta significativamente a qualidade de um acordo quando são incorporadas Convenções adicionais, tais como as que rezam sobre representação no local de trabalho ou saúde e segurança. Raramente usadas até o momento, mas igualmente essenciais, são as garantias de neutralidade da empresa com relação a processos de sindicalização e a regulamentação do acesso dos sindicatos aos locais de trabalho. Ademais, a relação entre normas globais e a legislação nacional precisa ser mais explícita: o padrão mais alto deve prevalecer.
Em segundo lugar, os AMGs precisam definir com clareza a arena de sua aplicabilidade, no sentido de que sua cobertura vai além dos limites imediatos da ETN e engloba a rede global de produção inteira. Uma política sindical que cessa na fronteira organizacional da ETN é por demais limitada; ela precisa incluir todo o sistema de fornecedores, prestadores de serviços, unidades de manutenção e vendas e – cada vez mais – agências fornecedoras de trabalho temporário. Só assim existe a possibilidade de alavancar a força dos sindicatos e criar laços entre os cenários institucionais locais de relações trabalhistas.
Quanto aos atores envolvidos no processo do AMG, as negociações têm sido conduzidas por FSGs, sindicatos do país sede e às vezes por comissões de fábrica – e nem sempre em harmonia uns com os outros. Entregar negociações para comissões de fábrica é altamente problemático com relação ao reconhecimento e à implementação de um acordo global entre atores autônomos. Eu defendo que a questão do reconhecimento mútuo obriga a negociação a ser entre a empresa e a FSI, e que haja um plano que preveja o envolvimento de sindicatos filiados à FSI e de gestores locais, isto é, dos responsáveis pela implementação. Os procedimentos ancorados no acordo precisam definir a implementação como tarefa conjunta, a começar por informação e comunicação conjuntas, passando por programas conjuntos de capacitação e arredondando o processo com a utilização de revisões conjuntas e a implementação de práticas organizacionais que reflitam os princípios do acordo.
Ter um AMG é um passo importante, mas sem implementação ele fica desprovido de poder. Um passo complementar numa estratégia sindical global é a construção de redes sindicais transnacionais. Para serem eficazes, tais redes devem ter objetivos claramente definidos, incluindo iniciar, negociar e implementar o AMG, organizar a “propriedade” do acordo em toda a rede sindical, reforçar a posição negocial potencial de seus integrantes locais ou nacionais usando o AMG como espaço de organização, e construir e fortalecer a cooperação e solidariedade transnacionais.
E elas devem ser organizadas com princípios claros de governança. Isto requer ter estruturas de liderança definidas, construídas em torno da FSI ou de um filiado chave, prioridades acordadas, a designação de uma divisão de responsabilidades e um pleno comprometimento de recursos.
Os AMGs não são uma estratégia em si, tampouco criam per se novas arenas transnacionais de relações trabalhistas. Sem uma contribuição sindical ativa, focada e coordenada eles permanecem adormecidos. Redes sindicais transnacionais podem transformá-los em ferramentas para desenvolver uma estratégia de presença sindical nas ETNs e em seus mais afastados fornecedores, prestadores de serviços e outros parceiros de negócios. No passado, havia uma tendência de se considerar a implementação de um AMG uma prerrogativa da empresa. Mas isso dificulta muito o envolvimento de sindicatos locais de subsidiárias e fornecedores. AMGs são afirmações conjuntas de empresas e trabalhadores e, como tal, precisam ser implementados conjuntamente. A “propriedade” advém de uma estratégia comum. Construir a participação por meio de redes sindicais transnacionais durante as negociações constitui precondição para se fortalecer a implementação.
Os AMGs abriram o caminho para que os sindicatos se relacionem em âmbito global com as ETNs. E tem se disseminado a percepção de que tais acordos podem ser usados com êxito para organizar sindicatos e obter reconhecimento. Usar os AMGs para reforçar a cooperação e poder sindicais tem o potencial de servir como meio de concentrar os recursos sindicais numa arena definida, assentando as bases para um movimento rumo a uma estratégia política transnacional abrangente para as relações trabalhistas globais.
[2] Fichter et al. (2012), Globalising Labour Relations. On Track with Framework Agreements?, Berlim: Fundação Friedrich Ebert. Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/iez/09422-20121129.pdf. Para o Brasil: Arruda et al. (2012), International Framework Agreements – A powerful tool for ensuring Core Labor Standards in a globalized world? Insights from Brazil, Fundação Friedrich Ebert. http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/09531.pdf
[3] Restrições de espaço impedem a inclusão de descrições de casos. Há diversos exemplos em Fichter e Helfen (2011), ‘Going local with global policies: Implementing international framework agreements in Brazil and the United States’, in K. Papadakis (org.), Shaping Global Industrial Relations. The Impact of International Framework Agreements, Houndsmills: Palgrave Macmillan, pp. 73-97.
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Michael Fichter é cientista político e faz parte do corpo docente da Global Labour University na Alemanha. Conduziu extensas pesquisas sobre relações trabalhistas globais, incluindo um projeto recém concluído sobre Acordos Marco Globais. Sua página na internet: http://www.polsoz.fuberlin.de/polwiss/ifa_projekt; seu endereço eletrônico: michael.fichter@fuberlin.de
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.