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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Uma Lição da África do Sul: Os cartéis da construção civil estão aumentando dramaticamente os custos de infraestrutura relativos à Copa do Mundo da FIFA de 2014?

Paulo Capela
André Furlan Melrinho
Eddie Cottle

Introdução
O relatório de 2008 do Comitê de Concorrência da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o setor da construção civil afirma: “Infelizmente, a indústria da construção tem tendido a sofrer com a atividade de cartéis, como mostra o recente surto de questões pelo mundo afora”. Nesta mesa redonda da OCDE foram incluídos 19 países da Europa, Ásia e América do Norte, além da África do Sul. A África do Sul apresentou seu relatório sobre os enormes custos adicionais incorridos na construção dos estádios para a Copa do Mundo da FIFA de 2010. Na época, as autoridades do país suspeitavam que licitações haviam sido fraudadas.[1]

Por meio de práticas colusivas, como licitações falsas e superfaturamento, as construtoras atingem ganhos financeiros enormes às custas de trabalhadores e contribuintes dos países-sede. Isto implica dizer que as metas de desenvolvimento que os governos estabelecem quando desempenham o papel de anfitriões de tais eventos são, em parte, dificultadas pelas gigantescas transferências de riqueza para empresas privadas, o que sacrifica a geração de empregos e a redistribuição de renda, asfixiando o efeito econômico multiplicador pretendido. Foi neste contexto que surgiu no Brasil uma expressão de descontentamento em âmbito nacional, envolvendo mais de um milhão de pessoas.

A partir do começo de junho de 2013, manifestantes em diversas grandes cidades expressaram legitimamente sua irritação com a escalada dos preços do transporte público, a baixa qualidade dos serviços de saúde, educação e os custos crescentes para a realização da Copa do Mundo da FIFA. É importante observar que o descontentamento social foi antecedido por uma onda nacional de greves, que ocorreu entre fevereiro de 2011 e abril de 2013. Das 25 greves registradas em estádios da Copa, 17 foram espontâneas e envolveram cerca de 30.000 trabalhadores. Apesar das circunstâncias favoráveis, o “dia de ação” nacional, organizado por oito centrais sindicais, incluindo a CUT, em 11 de julho, não articulou os reclamos de trabalhadores e manifestantes com respeito à Copa do Mundo.

Lições da África do Sul
A escalada dos custos relativos à Copa do Mundo da FIFA de 2010 na África do Sul foi significativa. Inicialmente, o então ministro da fazenda do país, Trevor Manuel, atribuiu tal elevação à vulnerabilidade da região, advinda da crise econômica mundial de 2008/9. O ministro não notou que, em outubro de 2007, a Comissão de Concorrência da África do Sul montou uma equipe para rever o setor de materiais e serviços de construção.

Estimou-se o custo inicialmente em R2,3 bilhões (US$286 milhões), que seria pago pelo governo sul-africano. A quantia se destinava em grande medida ao financiamento de estádios e à infraestrutura relacionada. Porém, o custo total estimado em 2010 (e o custo final provavelmente foi bem maior) foi de R39,3 bilhões (US$5,1 bilhões) – um aumento enorme, de 1709%, com relação à estimativa original. O custo dos estádios aumentou do cálculo inicial, de R1,5 bilhão (US$187 milhões), para mais de R17,4 bilhões (US$2,5 bilhões), segundo o estudo mais recente, o que representa um aumento de 1008%.

Cinco grandes empresas de construção civil sul-africanas (Aveng, Murray & Roberts, Group Five, Wilson Bayly Holmes–Ovcon [WBHO] e Basil Read) detiveram o grosso dos contratos para construir os principais estádios do evento e diversos projetos de infraestrutura relacionados, a partir dos quais alcançaram lucros substanciais. Em 2007, todas estavam sob investigação da Comissão de Concorrência da África do Sul, devido a suspeitas de colusão e práticas anticompetitivas com respeito a esses projetos. Infelizmente, a comissão não investigou os atos de companhias internacionais.

Em 17 de julho de 2013, no tribunal da Comissão de Concorrência da África do Sul, foi feita a seguinte estimativa conservadora: cerca de R4,7 bilhões (US$476 milhões) em “lucros injustos” foram auferidos por construtoras em projetos relacionados à Copa de 2010 e outros. Consequentemente, elas foram multadas em R1,5 bilhão (US$152 milhões). As construtoras que não acataram o resultado enfrentam agora a possibilidade de sofrerem ações judiciais.

O setor de construção civil no Brasil
De acordo com o site brasileiro Portal 2014, as construtoras contratadas para as obras da Copa do Mundo e infraestrutura relacionada são: Odebrecht, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, OAS Empreendimentos, Mendes Júnior, Via Engineering, Andrade Mendonça, Construcap, Egesa, Hap e Engevix. As duas maiores construtoras brasileiras envolvidas são a Andrade Gutierrez e a Odebrecht.

À medida que se aproximam a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o setor da construção civil no Brasil deve sair de seu inesperado marasmo, demonstrado pelo fraco desempenho de 2011, com crescimento de 4,2%, e de 2012, com crescimento de 2,2%. Estes números se relacionam com o fato de que, até maio de 2012, apenas 25% dos projetos de transporte haviam completado as respectivas licitações e 41% das obras da Copa do Mundo nem haviam começado. O setor deverá completar a construção de 13 aeroportos, 7 portos e 37 projetos de transporte, bem como a reforma ou construção de 12 estádios para a Copa de 2014. O setor emprega 2,5 milhões de trabalhadores formais, mas estima-se que haja também cerca de 1,5 milhão de trabalhadores informais. Os atrasos contribuíram para um aumento na taxa de desemprego no Brasil, que atingiu 5,6% em fevereiro de 2013.

O setor da construção civil parece viver flutuações dramáticas em seus lucros líquidos anuais. A Engevix, por exemplo, teve uma queda de 85% em 2010, mas um aumento de 256% em 2011. Já a OAS Empreendimentos, que teve um aumento de 2244% em 2010, teve um decréscimo em seu lucro líquido de 360% em 2011. A Andrade Gutierrez teve aumentos nos dois anos, de 23% e 28%, enquanto a Odebrecht realizou em 2010 o maior aumento de lucro líquido da sua história: 148%.[2]  A Andrade Gutierrez e a Odebrecht juntas são responsáveis por 7 dos 12 estádios da Copa do Mundo.

Custos de estádios brasileiros estouram orçamentos
Construtoras brasileiras e estrangeiras, como a firma de arquitetura alemã GMP, são as principais beneficiárias dos gastos com infraestrutura relacionados à Copa do Mundo da FIFA de 2014. Calcula-se que estes atualmente atinjam US$8 bilhões, sendo 78% do total composto por recursos públicos. De acordo com o Ministério do Esporte brasileiro, o impacto econômico geral superará US$100 bilhões, gerando 332.000 empregos permanentes (2009-2014) e 381.000 empregos temporários em 2014.

O fato de que, até maio de 2012, cerca de 41% das obras da Copa não tinham sequer começado levou o governo federal a mudar os procedimentos relativos à aprovação de projetos, com a criação de um critério de “excepcionalidade” para acelerar o ritmo das aprovações. Em consequência, as construtoras aproveitaram a situação de maneira oportunista e colusiva, de modo a fixar os custos de construção muito acima de seu valor, o que resulta em preços adicionais enormes com os quais o governo brasileiro terá de arcar com recursos púbicos.

A fonte mais confiável das estimativas de custos originais de cada um dos estádios é o Dossiê de Candidatura Brasil 2014. Já que este, como todos, não é divulgado publicamente, não é possível conhecer o valor originalmente previsto para cada estádio. No entanto, é razoável supor que, já que o Dossiê de Candidatura foi submetido à FIFA em 31 de julho de 2007 e a Equipe de Inspeção da FIFA conduziu sua avaliação em 23 de agosto de 2007, a cifra contida no Relatório, de US$1,1 bilhão para todos os estádios, reflete o valor original do Dossiê de Candidatura. Assim, o Relatório de Inspeção da FIFA de 2007 subestimou grosseiramente o custo da Copa do Mundo do Brasil, que aumentou 327% em 2013, atingindo a quantia gigantesca de US$3,6 bilhões.

Os custos do Estádio Mané Garrincha (Brasília) e do Maracanã (Rio de Janeiro) mais que dobraram desde 2010, e totalizam R$2,9 bilhões ou US$1,3 bilhão. Portanto, somente estes dois estádios custaram mais que a estimativa de custo original total com estádios, de US$1,1 bilhão. Mantendo-se o ritmo atual de encarecimento, é provável que o Brasil venha a ter a Copa do Mundo mais custosa da história.

Rumo a uma investigação de cartelização no setor da construção civil
O Congresso brasileiro está para decidir se investiga ou não as escaladas de preços dos estádios e alegações de corrupção. Acreditamos haver bases suficientes para o governo brasileiro abrir uma ampla investigação das operações de um cartel de construtoras. Estas incluem o relatório do Comitê de Concorrência da OCDE, as provas definitivas do relatório da Comissão de Concorrência da África do Sul, especialmente com relação à Copa do Mundo da FIFA de 2010, e os aumentos extremamente altos de custos dos estádios brasileiros, tendo como base o Relatório de Inspeção da FIFA de 2007.

Uma motivação adicional para a necessidade de tal investigação é a recente decisão do estado de São Paulo de “iniciar um processo contra a Siemens AG (SI), para tentar recuperar dinheiro que a empresa supostamente superfaturou do estado por trens vendidos por um consórcio para redes de transportes municipais e regionais”. Este último caso deveria demonstrar a necessidade de se garantir que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), envolvido na investigação da Siemens, estenda sua apuração ao setor da construção civil. Tal avaliação sobre o cartel não deve se limitar a empresas brasileiras, mas também atingir companhias internacionais envolvidas em atividades relacionadas à construção.

Por ultimo, o governo brasileiro precisa responder ao apelo da sociedade civil por maior transparência e prestação de contas quanto à Copa do Mundo de 2014, tornando público o Dossiê de Candidatura oficial do Brasil.

[1] Este relatório preliminar do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) se refere à operação dos cartéis da construção civil envolvidos na Copa do Mundo da FIFA. O relatório completo pode ser obtido na seguinte página da internet: http://www.iela.ufsc.br/ 

[2] No momento da redação deste artigo, a maior parte das empresas ainda não havia publicado seus relatórios anuais de 2013, que poderiam mostrar um panorama diferente do que está sendo apresentado aqui, já que é provável que a posição financeira das construtoras tenha melhorado (como já mencionamos).

Baixe este artigo em PDF

André Furlan Meirinho tem MBA em Desenvolvimento Sustentável Regional pela Universidade de Brasília (UnB) e Especialização em Direito Administrativo Municipal pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Também é bacharel em Administração com foco em Marketing. Atualmente está completando mestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Sócio-Ambiental na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Paulo Capela é professor do Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em Futebol e Ciência Física. Presidiu o Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da UFSC.

Eddie Cottle é Encarregado de Política Regional e Campanhas da Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM), Região África e Oriente Médio. Seus interesses atuais incluem a questão dos megaeventos esportivos e dos trabalhadores. Ele foi o organizador do livro South Africa’s World Cup: A Legacy for Whom? [A Copa do Mundo da África do Sul: Um Legado para Quem?], publicado em 2011.


As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.

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