Desde a década de 1980, temos testemunhado a ofensiva política do neoliberalismo com sua enorme onda de privatizações, desregulamentação do setor financeiro, das relações de trabalho e o desmantelamento parcial dos sistemas de seguridade social. A esta onda se seguiu uma forte expansão dos mercados financeiros e seus excessos especulativos. Tudo isso foi resultado de severas crises econômicas, com um impacto social catastrófico e consequências políticas nefastas, como o aumento no apoio a partidos da extrema direita populista. Assim, a União Européia, cujo modelo social tem sofrido reveses inimagináveis até recentemente, está à beira do colapso. Como previsto há alguns anos pelo grande historiador Eric Hobsbawm, estamos vivendo um longo ciclo de crise econômica mundial. A consequência seria um grande perigo de renacionalização das pautas políticas, levando aos extremos do século passado, que foi profundamente marcado por duas guerras mundiais terríveis e destrutivas em termos humanos e sociais.
Os eventos desiguais que caracterizam este período são marcados por um deslocamento global de poder:
Como resultado desses processos, hoje o capital tem condições de se internacionalizar como nunca antes, evitando a pressão dos sindicatos e das forças políticas progressistas em âmbito nacional. Portanto, ao capital não interessam mais os acordos sociais e políticos; ele quer a hegemonia autoritária sem amarras.
Em tal contexto, os tempos são difíceis para o movimento sindical internacional – muito mais do que 25 anos atrás. Os desafios são ainda mais gigantescos. Estamos diante de imensas responsabilidades, dada a incapacidade política dos Estados nacionais de controlar o capital internacional, o sentimento de impotência e as frustrações que se espalham entre os povos, resultando na ascensão de forças populistas xenófobas e direitistas.
Contudo, não devemos nos render ao desespero. Pelo contrário, temos que enfrentar as realidades seguindo o adágio de Antonio Gramsci, um dos avós do movimento operário europeu: “Devemos combinar o pessimismo da razão com o otimismo da vontade.”
“Outro mundo é possível.” Podemos nos inspirar a partir das Melhores Práticas nas nossas lutas. As campanhas esportivas em torno das obras de infraestrutura para grandes eventos – que a ICM iniciou com a Copa do Mundo da África do Sul e que continua no Brasil, na Rússia e no Catar – são exemplos de empreitadas sindicais de solidariedade internacional com alta visibilidade. Elas têm resultado em melhores condições de trabalho e mais sindicalizações.
Graças à campanha no Brasil, dobramos o nosso número de filiados em poucos anos. Estes são exemplos internacionais encorajadores para organizar a contra-ofensiva sindical, que é necessária e urgente para que tenhamos uma mudança radical de trajetória. Tal mudança pode ser atingida se o nosso movimento tiver determinação para enfrentar os seguintes desafios:
A) Precisamos nos armar com uma visão e um programa por uma globalização alternativa, baseada na igualdade, justiça social e desenvolvimento sustentável, como é o caso neste Congresso com o “Plano Estratégico, 2014-2017”. Precisamos também – ao menos em âmbito continental – formular nossas demandas e as medidas necessárias para alcançá-las, de modo a convencer os trabalhadores num processo dinâmico de mobilização. Negociações sem uma forte pressão da base, que até o presente têm caracterizado a ação de muitos filiados nossos, não mais serão suficientes para que avancemos. É por isso que precisamos redescobrir o sindicalismo de baixo para cima, ancorado firmemente no local de trabalho e provido de ativistas dedicados e dispostos a correr riscos!
B) A questão do poder deve ser um fator de interesse primordial para nós. O poder que está se esvaindo dos Estados nacionais e dos sindicatos deve ser retomado pelo nosso movimento em âmbito continental e global. Isto pode parecer utópico nas circunstâncias atuais, mas permanece uma questão-chave. A tendência em direção ao isolamento nacional se faz sentir cada vez mais, mesmo no seio de sindicatos já enfraquecidos, especialmente naquelas partes do mundo (como a Europa) golpeadas fortemente pela crise econômica. As causas são o desemprego em massa, as crescentes desigualdades entre países, as diferenças entre culturas sindicais e, infelizmente, também os preconceitos nacionalistas herdados da traumática história do século XX. A tarefa é construir e expandir redes sindicais internacionais firmemente enraizadas em cada realidade nacional. As oportunidades oferecidas pelo novo mundo digital devem ser aproveitadas plenamente com este propósito, especialmente em nossas campanhas internacionais.
C) Tal poder servirá também para fortalecer a influência que podemos exercer sobre organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial e etc. A pressão deve ser dirigida também a composições regionais, como a União Europeia (UE). As campanhas sindicais ligadas a projetos de infraestrutura para grandes eventos esportivos, como as Copas do Mundo no Brasil, Rússia e Catar, estão sinalizando o caminho a ser seguido.
D) O papel diminuído dos Estados nacionais faz com que os sindicatos precisem se engajar numa batalha incisiva pela democratização das instituições supranacionais. Na Europa, a Confederação Sindical Européia (ETUC) e suas entidades filiadas estão lutando pela democratização e coordenação da política econômica. Isto deve incluir um deslocamento do poder decisório do Conselho da União Europeia (que representa os governos dos Estados membros da UE) para o Parlamento Europeu, que é eleito por voto direto. Face à tendência extremamente antissocial da UE, a tripla luta que temos pela frente envolve:
F) Nas indústrias da construção e da madeira, onde o emprego precário e a informalidade são particularmente disseminados, é necessário desenvolver novas formas de organização sindical. Melhores Práticas já existem para a sindicalização de mulheres, trabalhadores migrantes e falsos autônomos. Na Suíça, 50% dos 200 mil membros do sindicato UNIA têm outra nacionalidade. A sindicalização exitosa de trabalhadores migrantes foi alcançada por meio do trabalho de assessores que são migrantes também, além de estruturas sindicais que permitem tanto a reunião e discussão de problemas específicos, quanto o engajamento pleno na organização como um todo.
G) Infelizmente, não vivemos mais na era da parceria e da paz social que se seguiu à Segunda Guerra Mundial na Europa. Face à desavergonhada “luta de classes de cima para baixo”, conduzida pelo capital internacional, um movimento sindical reavivado e combativo representa nossa única esperança de sobrevivência e de realização. Campanhas estratégicas, solidariedade internacional e protestos globais contra condições de trabalho desumanas para trabalhadores da construção em obras voltadas a megaeventos esportivos ou megainvestimentos em infraestrutura – como o projeto de expansão do Canal do Panamá, a construção de novas rodovias no sudeste europeu ou hidrelétricas como a de Bujagali, em Uganda – são passos rumo ao sindicalismo internacional e devem ser vigorosamente apoiados por todos os ativistas. Os marcos internacionais com empresas multinacionais têm se provado instrumentos úteis para o fortalecimento de nossos filiados nacionais e ajudam nas lutas por trabalho decente nos enormes projetos de construção que frequentemente contam com recursos públicos.
H) Não poderia deixar de mencionar aquela que eu considero a nossa tarefa mais urgente: promover o surgimento de uma nova geração de jovens sindicalistas que
[1] Este texto se baseia no discurso de despedida do autor em ocasião do Congresso Mundial da Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM).
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Vasco Pedrina é Secretário Nacional do sindicato interprofissional suíço, UNIA, e ex-Vice-Presidente da Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM). Ele representa a Federação Sindical Suíça (SGB/USS) na Comissão Executiva da Confederação Sindical Europeia.
Os eventos desiguais que caracterizam este período são marcados por um deslocamento global de poder:
- da economia real e dos estados nacionais para o capital financeiro global;
- do trabalho para o capital, tendo sido perturbado o equilíbrio social do poder estabelecido após a Segunda Guerra Mundial sob o slogan “Nunca Mais!”, com o efeito colateral de um aprofundamento das iniquidades econômicas e sociais;
- dos países industrializados do norte (Estados Unidos, Europa) para as economias emergentes do sul (BRICS), com o enfraquecimento às vezes dramático dos sindicatos do norte não sendo compensado por um fortalecimento correspondente dos sindicatos do sul.
Como resultado desses processos, hoje o capital tem condições de se internacionalizar como nunca antes, evitando a pressão dos sindicatos e das forças políticas progressistas em âmbito nacional. Portanto, ao capital não interessam mais os acordos sociais e políticos; ele quer a hegemonia autoritária sem amarras.
Em tal contexto, os tempos são difíceis para o movimento sindical internacional – muito mais do que 25 anos atrás. Os desafios são ainda mais gigantescos. Estamos diante de imensas responsabilidades, dada a incapacidade política dos Estados nacionais de controlar o capital internacional, o sentimento de impotência e as frustrações que se espalham entre os povos, resultando na ascensão de forças populistas xenófobas e direitistas.
Contudo, não devemos nos render ao desespero. Pelo contrário, temos que enfrentar as realidades seguindo o adágio de Antonio Gramsci, um dos avós do movimento operário europeu: “Devemos combinar o pessimismo da razão com o otimismo da vontade.”
“Outro mundo é possível.” Podemos nos inspirar a partir das Melhores Práticas nas nossas lutas. As campanhas esportivas em torno das obras de infraestrutura para grandes eventos – que a ICM iniciou com a Copa do Mundo da África do Sul e que continua no Brasil, na Rússia e no Catar – são exemplos de empreitadas sindicais de solidariedade internacional com alta visibilidade. Elas têm resultado em melhores condições de trabalho e mais sindicalizações.
Graças à campanha no Brasil, dobramos o nosso número de filiados em poucos anos. Estes são exemplos internacionais encorajadores para organizar a contra-ofensiva sindical, que é necessária e urgente para que tenhamos uma mudança radical de trajetória. Tal mudança pode ser atingida se o nosso movimento tiver determinação para enfrentar os seguintes desafios:
A) Precisamos nos armar com uma visão e um programa por uma globalização alternativa, baseada na igualdade, justiça social e desenvolvimento sustentável, como é o caso neste Congresso com o “Plano Estratégico, 2014-2017”. Precisamos também – ao menos em âmbito continental – formular nossas demandas e as medidas necessárias para alcançá-las, de modo a convencer os trabalhadores num processo dinâmico de mobilização. Negociações sem uma forte pressão da base, que até o presente têm caracterizado a ação de muitos filiados nossos, não mais serão suficientes para que avancemos. É por isso que precisamos redescobrir o sindicalismo de baixo para cima, ancorado firmemente no local de trabalho e provido de ativistas dedicados e dispostos a correr riscos!
B) A questão do poder deve ser um fator de interesse primordial para nós. O poder que está se esvaindo dos Estados nacionais e dos sindicatos deve ser retomado pelo nosso movimento em âmbito continental e global. Isto pode parecer utópico nas circunstâncias atuais, mas permanece uma questão-chave. A tendência em direção ao isolamento nacional se faz sentir cada vez mais, mesmo no seio de sindicatos já enfraquecidos, especialmente naquelas partes do mundo (como a Europa) golpeadas fortemente pela crise econômica. As causas são o desemprego em massa, as crescentes desigualdades entre países, as diferenças entre culturas sindicais e, infelizmente, também os preconceitos nacionalistas herdados da traumática história do século XX. A tarefa é construir e expandir redes sindicais internacionais firmemente enraizadas em cada realidade nacional. As oportunidades oferecidas pelo novo mundo digital devem ser aproveitadas plenamente com este propósito, especialmente em nossas campanhas internacionais.
C) Tal poder servirá também para fortalecer a influência que podemos exercer sobre organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial e etc. A pressão deve ser dirigida também a composições regionais, como a União Europeia (UE). As campanhas sindicais ligadas a projetos de infraestrutura para grandes eventos esportivos, como as Copas do Mundo no Brasil, Rússia e Catar, estão sinalizando o caminho a ser seguido.
D) O papel diminuído dos Estados nacionais faz com que os sindicatos precisem se engajar numa batalha incisiva pela democratização das instituições supranacionais. Na Europa, a Confederação Sindical Européia (ETUC) e suas entidades filiadas estão lutando pela democratização e coordenação da política econômica. Isto deve incluir um deslocamento do poder decisório do Conselho da União Europeia (que representa os governos dos Estados membros da UE) para o Parlamento Europeu, que é eleito por voto direto. Face à tendência extremamente antissocial da UE, a tripla luta que temos pela frente envolve:
- defender os direitos sociais adquiridos em âmbito nacional;
- reverter as políticas de austeridade, neoliberais e socialmente destrutivas, produzidas pelas instituições de Bruxelas;
- trabalhar pela democratização das estruturas de poder existentes, opondo-nos a suas práticas crescentemente autoritárias.
F) Nas indústrias da construção e da madeira, onde o emprego precário e a informalidade são particularmente disseminados, é necessário desenvolver novas formas de organização sindical. Melhores Práticas já existem para a sindicalização de mulheres, trabalhadores migrantes e falsos autônomos. Na Suíça, 50% dos 200 mil membros do sindicato UNIA têm outra nacionalidade. A sindicalização exitosa de trabalhadores migrantes foi alcançada por meio do trabalho de assessores que são migrantes também, além de estruturas sindicais que permitem tanto a reunião e discussão de problemas específicos, quanto o engajamento pleno na organização como um todo.
G) Infelizmente, não vivemos mais na era da parceria e da paz social que se seguiu à Segunda Guerra Mundial na Europa. Face à desavergonhada “luta de classes de cima para baixo”, conduzida pelo capital internacional, um movimento sindical reavivado e combativo representa nossa única esperança de sobrevivência e de realização. Campanhas estratégicas, solidariedade internacional e protestos globais contra condições de trabalho desumanas para trabalhadores da construção em obras voltadas a megaeventos esportivos ou megainvestimentos em infraestrutura – como o projeto de expansão do Canal do Panamá, a construção de novas rodovias no sudeste europeu ou hidrelétricas como a de Bujagali, em Uganda – são passos rumo ao sindicalismo internacional e devem ser vigorosamente apoiados por todos os ativistas. Os marcos internacionais com empresas multinacionais têm se provado instrumentos úteis para o fortalecimento de nossos filiados nacionais e ajudam nas lutas por trabalho decente nos enormes projetos de construção que frequentemente contam com recursos públicos.
H) Não poderia deixar de mencionar aquela que eu considero a nossa tarefa mais urgente: promover o surgimento de uma nova geração de jovens sindicalistas que
- internalizem os valores de “liberdade, igualdade e fraternidade” do nosso movimento;
- estejam imbuídos do espírito de internacionalismo; e
- considerem o trabalho sindical uma missão e não apenas um emprego.
[1] Este texto se baseia no discurso de despedida do autor em ocasião do Congresso Mundial da Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM).
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As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.