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terça-feira, 25 de agosto de 2015

Investimentos chineses, diamantes de Marange e ‘capitalismo militarizado’ no Zimbábue

Crispen Chinguno
Nunurayi Mutyanda
Taurai Mereki

 
Nas últimas duas décadas, a China tem vivido uma enorme expansão econômica global e uma constante busca por recursos para alcançar suas elevadas metas de crescimento. Isto convergiu com a adoção pelo Zimbábue da política econômica ‘Olhar para o Oriente’ em 2003, em seguida a um declínio com o Ocidente. Em consequência disto, têm havido investimentos chineses maciços em vários setores econômicos do Zimbábue, como mineração, telecomunicações, desenvolvimento de infraestruturas, agricultura e comércio varejista. Este texto examina a experiência de trabalhadores em investimentos chineses, a partir das jazidas de diamantes de Marange.

O potencial das jazidas de Marange foi descoberto em 2006 após a pouco ortodoxa retirada da licença de lavra da empresa britânica African Consolidated Resources (ACR) devido a uma piora nas relações entre Zimbábue e Reino Unido (Sokwanele, 2011).

Capitalismo ‘militarizado’ 
O Zimbábue descobriu sua maior jazida de diamantes quando estava submetido a sanções da União Européia e dos Estados Unidos. Questões políticas subjacentes e os entraves jurídicos representavam impedimentos à atração de investidores. Assim, o regime foi forçado a adotar um modelo militarizado de capitalismo, ou seja, um sistema de exploração mineral controlado pelos militares e seus associados. Este modelo de relações trabalhistas não é receptivo a sindicatos independentes. Para iniciar as operações mineradoras em Marange, o governo criou uma subsidiária intimamente ligada às Forças de Defesa do Zimbábue (ZDF) por meio de uma entidade para-estatal, a Companhia de Comercialização Mineral do Zimbábue (MMCZ) (ibid). Este foi o início da militarização das operações de mineração de diamantes em Marange, e tem implicações nas relações trabalhistas que evoluíram a partir de então.

Nossa pesquisa de campo mostrou que o processo de trabalho dos investidores chineses, ao contrário de outros investidores, se baseia no controle direto e em técnicas Tayloristas projetadas para limitar o escopo da força de trabalho por meio de uma supervisão próxima e da minimização da responsabilidade dos trabalhadores.[1]

Todas as sete empresas mineradoras atualmente em atividade no local ou são joint ventures ou são alinhadas às ZDF, incluindo dois investimentos chineses: a Anjin, uma joint venture entre a Matt Bronze Limited, e a Jinan, empresas por sua vez ligadas às forças armadas chinesas (Gagare, 2015). Os dirigentes chave destas empresas são primordialmente altos oficiais da ativa ou da reserva das forças armadas do Zimbábue e da China. Nós focamos nossas entrevistas em dois investimentos chineses. A Anjin é a maior mineradora do Zimbábue em termos de produção. Ela também adotou a forma militarizada de capitalismo e de relações de trabalho. Ao menos 10% dos trabalhadores são chineses, incluindo os seguranças e separadores de diamantes. A China é o único país estrangeiro tacitamente isentado das leis de imigração que restringem a importação de trabalhadores não especializados.

Trabalhadores locais são recrutados por intermédio das estruturas provinciais e distritais do partido governante ZANU-PF (União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica), conforme decreto de seu Politburô. Logo, o recrutamento desconsidera qualquer forma de mérito, o que abre as portas para a corrupção. Os trabalhadores entrevistados revelaram que empregos são obtidos por meio das redes corruptas do partido governante, que exigem propinas de até US$ 300.[2]

A Anjin e a Jinan empregam aproximadamente 500 trabalhadores cada nos momentos de pico, sendo 80% deles oriundos dos vilarejos locais e adjacentes. Eles foram parcialmente proletarizados, já que mantêm laços com o modo de vida camponês. A Anjin e a Jinan pagam os salários mais baixos (US$ 300, ao passo que a Mbada paga US$ 1000) e têm as relações trabalhistas mais coercitivas, que chegam a incluir punição corporal. O supervisor é quem concede (arbitrariamente) a licença médica. O trabalho é dividido em dois turnos de 12 horas por dia, por um mínimo de 19 e um máximo de 26 dias consecutivos. Os trabalhadores alegaram que não recebem hora extra, e são chamados sem aviso prévio para trabalhar até em dias de descanso, assim violando a Lei do Trabalho, que diz que para cada sete dias de trabalho contínuo deve haver pelo menos um de descanso. O serviço de fiscalização do trabalho sabe destas violações, mas não demonstra entusiasmo em obrigar as empresas a cumprir a lei.

Um informante afirma: “Não há empregos permanentes nas minas de Marange; todo mundo tem contrato por tempo determinado”. Portanto, o trabalho é precário e a taxa de rotatividade é muito alta. Os trabalhadores são perseguidos e as demissões são arbitrárias. Existem contratos iniciais de 3 meses de duração que podem ser estendidos por até um ano, e aí o ciclo recomeça, dependendo de trabalho duro e bom comportamento. Estas disposições não são compatíveis com a Constituição do Zimbábue ou com a Lei do Trabalho, que limita a precarizacão.

Formas coloniais de controle da mão de obra nas minas de Marange têm se reproduzido nos alojamentos segregados por sexo. Este sistema aumenta a produtividade e reforça a vigilância contra pequenos furtos. De acordo com a nossa pesquisa, os patrões percebem os alojamentos como um método de controle e uma maneira de forçar a proletarização, que é resistida pelos trabalhadores. Dessa resistência resulta a baixa taxa de ocupação dos alojamentos.

Sindicatos e greves 
O Zimbábue é signatário das Convenções 98 e 87 da OIT, que protegem o direito à sindicalização e à negociação coletiva. Contudo, nem sempre tal proteção se efetiva na prática. As empresas chinesas estão acostumadas a um contexto nada receptivo a sindicatos independentes e tentam reproduzir isto no exterior. Entretanto, isto não tem impedido a sindicalização pela base.

Em 2009 e 2010, duas empresas chinesas enfrentaram greves por melhores salários e condições de trabalho. Todos os trabalhadores dos quais se suspeitava que tivessem ligações com sindicatos (no caso o Sindicato Nacional dos Mineiros do Zimbábue e o Sindicato dos Mineiros Associados do Zimbábue) foram demitidos, e os sindicatos entraram em colapso em seguida. De acordo com os trabalhadores entrevistados, incidentes violentos entre trabalhadores locais e chineses são comuns nas duas minas, e frequentemente não são noticiados. 

Que outras razões explicam o fracasso sindical? Primeiramente, a jazida de diamantes é uma zona protegida nos termos da Lei de Áreas Protegidas, portanto sob vigilância 24 horas pelas ZDF e pela polícia. Os sindicatos não têm acesso aos locais de trabalho. O único sindicato que indiretamente tem uma presença lá é o não confiável Sindicato dos Trabalhadores em Diamantes e Aliados do Zimbábue (ZDAWU). Outros sindicatos, dos quais se tem a percepção de serem alinhados ao partido político de oposição, foram excluídos. O ZDAWU funciona fora da mina, no centro de negócios mais próximo (um resort de águas termais). Trabalhadores entrevistados sublinharam o fato de que embora o novo sindicato tenha aberto um escritório perto de seus lares e local de trabalho, eles não tinham liberdade de interagir com ele. Um trabalhador explicou: 
Temos rígidas instruções para não nos envolvermos com o sindicato. Todos que se envolveram com o sindicato foram demitidos. Não posso me arriscar. Do contrário perderei meu emprego.[3]
Os sindicatos que foram excluídos alegam que o ZDAWU é um sindicato inescrupuloso. Seu surgimento reflete a fragmentação e letargia que caracterizam o movimento sindical no país.

Nossa pesquisa nas jazidas de diamantes de Marange sugere que embora os trabalhadores do Zimbábue tenham direitos sindicais, esta nem sempre é a prática. As mineradoras de diamantes chinesas reconfiguraram esta realidade e produziram um contexto esvaziado de sindicatos independentes na lógica do modelo capitalista militarizado. A enganação levada a cabo por estas empresas não se limita à subversão dos direitos sindicais. Trabalhadores entrevistados citaram numerosas violações de normas de saúde a segurança no trabalho. Na Anjin, por exemplo, os trabalhadores não tinham EPIs[4] adequados até um dia antes de uma inspeção marcada pelo Kimberley Process[5] (KP). Um trabalhador lamentou:
Sempre trabalhamos sem sapatos de segurança… A empresa fornecia sapatos de lona. Contudo, para a nossa surpresa, um dia os gestores nos deram EPIs adequados. Somente mais tarde nos demos conta de que isto se deveu à vinda dos inspetores da KP no dia seguinte.
Outro trabalhador teve um colapso porque não estava usando os EPIs adequados. A gerência instruiu seus colegas a porem os EPIs adequados nele antes da chegada da ambulância, de modo a ocultar a causa do acidente.

Conclusão

As mineradoras de diamantes de Marange se beneficiam de um capitalismo militarizado caracterizado por um regime de trabalho coercitivo e pela violação dos direitos dos trabalhadores (particularmente a liberdade de sindicalização e o direito à negociação coletiva). Estas empresas fazem declarações de intenções ou subvertem as leis trabalhistas e convenções da OIT (ou respeitam-nas apenas para consumo externo) com impunidade quase total. A admissão do Zimbábue ao KP implica dizer que o capital internacional também é cúmplice deste processo. Procuramos ilustrar como tanto as empresas chinesas quanto os trabalhadores são alinhados a diferentes elites e redes da ZANU-PF, com fins diferentes. Para as empresas, a aliança com a ZANU-PF visa garantir acesso, ao passo que para trabalhadores comuns ela representada seu sustento. Isto gera uma relação exploradora pela qual ninguém se responsabiliza.

Entretanto, a organização coletiva dos trabalhadores em Marange não se dissipou permanentemente. Ela está em crise e é pouco consistente, mas existe, como ficou demonstrado pelas greves organizadas pelos trabalhadores exigindo melhores condições de trabalho. Contudo, isto não pode se atribuir apenas ao capitalismo militarizado, mas reflete parcialmente a atual fragmentação sistêmica, letargia e crise dos sindicatos do Zimbábue. 

[1] Pesquisa de campo, 16-29 de dezembro de 2014.
[2] Entrevista de campo, 27 de novembro de 2014.
[3] Entrevista de campo, 27 de novembro de 2014.
[4] Equipamento de Proteção Individual.
[5] Criado para barrar o comércio de diamantes oriundos de regiões conflagradas.


Baixe este artigo em PDF

Dr. Crispen Chinguno é pesquisador (Sociologia) do instituto Sociedade, Trabalho e Desenvolvimento (SWOP) da Universidade de Witwatersrand, ex-aluno da GLU, e fundador e co-diretor do Instituto de Pesquisa Sócio-Econômica e do Trabalho do Zimbábue (ZISELaR).

Taurai Mereki é fundador e co-diretor do Instituto de Pesquisa Sócio-Econômica e do Trabalho do Zimbábue (ZISELaR), Pesquisador Sênior e ex-aluno da GLU da Universidade de Witwatersrand.

Nunurayi Mutyanda é Pesquisador do ZISELaR e ex-aluno da GLU da Universidade de Witwatersrand.


Referências 
Gagare, O. (2015), Tension as bigwigs resist diamond merger.

Sokwanele (2011), The Marange diamond fields of Zimbabwe: an overview.

Zimbabwe Independent (2012), Matt Bronze ‘front firm for military’. 

As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.

Posted in: capitalismo militarizado,China,exploração,trabalhadores,Zimbábue
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