Thorsten Schulten |
Na Alemanha o salário mínimo foi criado há poucas semanas, mas já está ficando muito claro que não se pode pressupor que a sua implementação na prática realmente ocorrerá. Raramente passa um dia sem que os meios de comunicação noticiem novas violações do salário mínimo. Enquanto isso, na internet, escritórios de advocacia oferecem abertamente conselhos sobre como se esquivar do salário mínimo. E todos os dias, centenas de trabalhadores relatam, por meio da linha telefônica especial criada pela Confederação de Sndicatos Alemães (DGB) e pelo Ministério Federal do Trabalho e de Assuntos Sociais (BMAS), as tentativas por vezes altamente desonestas de negar-lhes o salário mínimo.
Nos últimos meses do ano passado, num estudo encomendado pelo Ministério do Trabalho do Estado de Renânia do Norte-Vestfália, o Instituto de Pesquisa Econômica e Social (WSI) da Fundação Hans Böckler já levantava questões relativas às precondições para a implementação exitosa do salário mínimo. O Instituto examinou exemplos de outros países europeus (França, Reino Unido e Holanda), bem como experiências alemãs com salários mínimos regionais e setoriais, que já existem há bastante tempo[1]. Basicamente, foram identificados cinco fatores para se ter sucesso:
- Uma definição precisa e manejável do salário mínimo
- Disposições claras e verificáveis sobre a relação entre salário mínimo e jornada de trabalho
- A existência de instituições e processos de fiscalização eficientes
- Instrumentos eficazes que garantam aos assalariados a aplicação do direito ao salário mínimo
- Aceitação social mais ampla possível, inclusive por grandes parcelas do empresariado.
Uma das maiores fraquezas da Lei do Salário Mínimo (MiLoG) da Alemanha é que ela não contém qualquer definição precisa do salário mínimo. Este fato já atraíra críticas durante o processo legislativo – por exemplo, do Conselho Federal (Câmara Alta do Parlamento), que convocou explicitamente o Governo Federal a esclarecer “quais componentes dos salários devem ser considerados parte da remuneração horária”, já que “a falta de concretização cria o risco de que o salário mínimo possa ser solapado”. Por outro lado, o Governo Federal considerou que o termo “salário mínimo” já havia sido suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Federal do Trabalho (BAG), de maneira que não seria necessário prestar esclarecimentos adicionais. Contudo, o debate jurídico atual mostra que o significado do termo “salário mínimo” de forma alguma está estabelecido conclusivamente em todos os seus aspectos pela jurisprudência.
O princípio básico confirmado pela jurisprudência tanto do BAG quanto do Tribunal de Justiça da União Europeia é que os únicos pagamentos que podem ser incluídos no cálculo do salário mínimo são aqueles que remuneram o desempenho normal contratualmente acordado. Portanto, quaisquer pagamentos adicionais por desempenho extra dos trabalhadores devem ser pagos como extras; por exemplo, adicionais de remuneração por horários de trabalho fora das horas normais (como hora extra, domingos e feriados, à noite ou em turnos) ou em função de condições de trabalho específicas (como insalubridade ou periculosidade). Tampouco é permitido levar em conta reembolsos, benefícios relacionados a poupança ou contribuições patronais a fundos de pensão, já que estes não pretendem remunerar o desempenho normal. Por último, gorjetas também não devem ser incluídas, já que são pagamentos voluntários de terceiros e portanto não fazem parte da remuneração.
Por outro lado, todos os pagamentos que servem para remunerar o desempenho normal devem ser levados em consideração no salário mínimo. Além do salário básico, isto pode incluir adicionais não vinculados a tarefas ou condições especiais. Também são abarcados pagamentos pontuais negociados coletivamente no lugar de aumentos no salário base. Por último, há uma série de componentes da remuneração sobre os quais não se chegou a um amplo acordo jurídico. Isto se aplica particularmente ao pagamento de abonos de Natal e de férias. A posição do Governo Federal é que estes abonos devem ser incluídos se foram irrevogavelmente pagos ao trabalhador, ao passo que o Conselho Federal sustenta que em geral eles não devem ser levados em conta. Enquanto isso, o tribunal trabalhista de Berlim decidiu em primeira instância que estes abonos não podem ser usados para calcular o salário mínimo, mas ainda existe a possibilidade de que um tribunal trabalhista superior reveja esta decisão.
Relação entre salário mínimo e jornada de trabalho
- Muitas firmas obrigam seus funcionários a fazer trabalhos adicionais não remunerados, e isto pode significar que o salário por hora realmente trabalhada fica abaixo do salário mínimo.
- Muitos setores não têm jornadas de trabalho estabelecidas. Neles, o pagamento é baseado numa meta predeterminada e portanto segue o princípio do trabalho por meta ou resultados.
- Uma terceira possibilidade de evitar o salário mínimo é remunerar incorretamente os horários de trabalho especiais, como disponibilidade, plantões, viagens e tempo de espera.
Contudo, o dever de documentar o tempo de trabalho não é geral. Ele se aplica somente a certos setores e grupos de trabalhadores. Estes incluem pessoas marginalmente empregadas que, presume-se, correm um risco maior de não terem o salário mínimo aplicado, como ainda hoje a proporção de trabalhadores com baixo salários é maior entre os titulares de “mini-empregos” (empregos de baixíssima remuneração isentos de pagar seguridade social – NdT) que entre outros grupos de empregados. O dever de documentar também se aplica àqueles setores particularmente propensos a práticas empregatícias ilegais, de acordo com a Lei de Prevenção do Trabalho Ilícito.
Fiscalizando o salário mínimo
É essencial que haja uma fiscalização adequada para que a Lei do Salário Mínimo seja efetivamente implementada. A Alemanha há tempos tem um sistema bem desenvolvido para garantir a aplicação de condições empregatícias legais e negociadas coletivamente. A autoridade de fiscalização mais importante é o Órgão de Controle Financeiro do Trabalho Ilícito (FKS), que faz parte de Aduana. De acordo com a Lei de Prevenção do Trabalho Ilícito, o FKS tem a responsabilidade de processar casos de emprego ilegal. Com este propósito, o FKS recebeu amplos poderes de investigação, que possibilitam a realização de verificações abrangentes em empresas.
Além disso, os fundos de pensão conduzem inspeções com regularidade, e estas também abordam a questão do respeito ao salário mínimo. Contudo, os fundos de pensão examinam apenas a documentação dos empregadores e se surgem suspeitas, a informação é encaminhada ao FKS. Ademais, no caso das compras públicas, ou os órgãos emissores das licitações ou os órgãos de fiscalização estaduais fazem as verificações.
Embora os poderes que o FKS tem para fiscalizar o salário mínimo sejam vistos como muito amplos, a discussão tem se focado no nível de pessoal necessário para o FKS cumprir a sua nova – e expandida – missão. Enquanto isso o Governo Federal já afirmou que o FKS receberá mais 1600 funcionários permanentes. Contudo, este incremento será gradual, ao longo de cinco anos, de forma que uma fiscalização abrangente do salário mínimo ainda levará alguns anos para se efetivar.
Aplicando o direito ao salário mínimo
Para que o salário mínimo – legal e geral – seja implementado com êxito, outro fator crucial, juntamente com a criação de um sistema eficiente de fiscalização, é o respeito ao direito ao salário mínimo para os trabalhadores em questão. Certamente, cada trabalhador tem o direito de processar seu empregador por violações do salário mínimo. Entretanto, a experiência até o presente mostra claramente que os trabalhadores fazem relativamente pouco uso desta possibilidade devido ao medo de perder o emprego e outras sanções. De modo a tornar judicialmente aplicáveis os reclamos relativos ao salário mínimo é preciso fortalecer as possibilidades de levar ações coletivas a juízo. Em vários países europeus, o direito trabalhista já reconhece o direito de organizações moverem ações coletivas. Na França, por exemplo, os sindicatos têm a possibilidade de iniciar procedimentos legais contra os empregadores por violações do salário mínimo, em nome dos trabalhadores. Também na Alemanha os sindicatos há tempos reivindicam o direito associativo de iniciar um processo. Dadas as grandes barreiras enfrentadas por trabalhadores individuais quando resolvem mover uma ação, a introdução de um direito associativo de processar poderia constituir uma importante contribuição à implementação do direito ao salário mínimo.
Fazendo com que o salário mínimo seja aceito
Juntamente com regras transparentes e uma estrutura de fiscalização eficiente, a precondição mais importante para a implementação exitosa do salário mínimo, em última instância, é a aceitação social. O Reino Unido, que criou seu salário mínimo apenas no final da década de 1990, rapidamente conseguiu fazer dele uma instituição universalmente aceita no modelo social britânico.
Na Alemanha, alguns setores do empresariado ainda estão muito céticos com relação ao salário mínimo. Por isso a experiência britânica é de tamanho interesse à Alemanha. Também no Reino Unido o salário mínimo foi criado inicialmente contra a vontade da maior parte do empresariado. Um fator importante no processo de aceitação do salário mínimo pelo empresariado britânico foi a criação da Comissão sobre Baixos Salários, que organiza um amplo diálogo social e, mais especificamente, envolveu aqueles setores que alegavam ter problemas particularmente grandes com o salário mínimo.
Também na Alemanha, de modo a aumentar a aceitação do salário mínimo pelo empresariado, é de vital importância travar um diálogo com representantes exatamente daqueles setores que mais temem sofrer consequências negativas. Por exemplo, poderiam haver discussões e desenvolvimento de soluções para os problemas específicos relativos à implantação do salário mínimo no seio dos diálogos setoriais entre empresas e sindicatos. Um modelo para tal poderiam ser as alianças setoriais existentes que congregam empresas, sindicatos e a Aduana para combater o trabalho ilícito.
O caminho à frente
Muitas das precondições para a implementação exitosa do salário mínimo têm sido insuficientemente efetivadas até o momento na Alemanha. Ao rever a Lei do Salário Mínimo, o Governo Federal deve estabelecer uma definição clara do salário mínimo com respeito aos componentes de remuneração e jornada a serem considerados. Ademais, o reforço de pessoal no FKS deve ser acelerado e a cooperação com outros órgãos fiscalizadores deve ser intensificada. Para que o salário mínimo venha a ser um projeto exitoso, são necessárias iniciativas conjuntas por políticos, empresas e sindicatos que façam crescer seu grau de aceitação no mundo empresarial.
[1] Thorsten Schulten, Nils Böhlke, Pete Burgess, Catherine Vincent, Ines Wagner: Umsetzung und Kontrolle von Min-destlöhnen: Europäische Erfahrungen und was Deutschland von ihnen lernen kann. G.I.B. Arbeitspapiere Nr. 49, novembro de 2014.
[2] Nesse meio tempo, a Aduana publicou em sua página na internet uma lista de componentes de remuneração para o salário mínimo. Em alguns aspectos, ela difere da lista apresentada neste artigo. (http://www.zoll.de/DE/Fachthemen/Arbeit/Mindestarbeitsbedingungen/Mindestlohn-Mindestlohngesetz/mindestlohn-mindestlohngesetz_node.html)
[3] N. do E. – Quando um empregador de um Estado-Membro da União Europeia (“Estado de envio”) pretende enviar um dos seus efetivos para trabalhar em outro Estado-Membro da U.E. (“Estado de emprego”), esses trabalhadores são designados por trabalhadores destacados. Nos termos da lei, esses trabalhadores devem estar sujeitos a uma única legislação em matéria de segurança social.
Thorsten Schulten é pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Econômica e Social (WSI) da Fundação Hans Böckler em Düsseldorf, Alemanha.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.