Janine Berg |
Nas últimas décadas, em muitos países, o Estado foi lentamente recuando em meio à crença de que dando mais espaço às forças do mercado haveria um crescimento econômico maior e, deste modo, mais oportunidades econômicas. Essa crença manifestou-se no impulso pela liberalização de bens e mercados financeiros nas décadas de 1980 e 1990 em todo o mundo e na redução do investimento feito pelo setor público de muitas das economias avançadas nos serviços e bens públicos, assim como em políticas redistributivas.
Nem todos os países instituíram tais mudanças tão entusiasticamente como outros, e nem todos os países começaram pelo mesmo ponto de partida, mas o efeito geral foi o aumento da desigualdade na maior parte do mundo: América do Norte, Europa, Ásia e partes da África. A América Latina na década de 2000 (apesar de não ser verdade para os anos 1980 e 1990) representa uma exceção, pois a maior parte dos países na região aumentou o investimento público, fortaleceu os salários mínimos e instituiu políticas redistributivas.
Ao longo dos últimos anos, o aumento da desigualdade transformou-se em uma preocupação crescente entre formuladores de políticas e público em geral. Mas, apesar de se reconhecer o problema agora, muitas das soluções de políticas avançadas são as mesmas das postuladas desde o início da globalização, a saber: melhorar a qualificação dos trabalhadores de modo que possam competir melhor no mercado de trabalho.
Educação é importante – para o desenvolvimento pessoal e porque é o alicerce de uma democracia forte. Para o indivíduo, a educação pode ser a chave para progredir e ter uma renda maior e mais segura. No entanto, para o conjunto da sociedade, seus “efeitos na redução da desigualdade” limitam-se a aumentar a oferta de trabalhadores qualificados, que em um mercado de trabalho competitivo, em última instância, reduziriam os rendimentos dos trabalhadores com mais qualificação. Sob esse cenário, os salários seriam comprimidos, reduzindo a desigualdade, mas é improvável que seja esta a solução que os formuladores de políticas almejam. Além disso, há alguns trabalhos que todos os países necessitam e que não são “altamente especializados”, o que inclui o trabalho de caixas, vendedores de varejo, trabalhadores na preparação de alimentos e pessoal de escritório. Tais trabalhos estão entre as ocupações com os níveis mais elevados de emprego, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. E não há nenhuma razão para trabalhadores com esses empregos serem relegados à pobreza.
Preferivelmente, se os países quiserem sociedades equitativas com uma grande camada na classe média, necessitam fortalecer ou instituir uma ampla gama de políticas que suportem a criação de empregos, fortaleçam instituições do mercado de trabalho e proporcionem proteção social a todos. E isso só pode ser alcançado com vontade e compromisso políticos explícitos das sociedades e com a retomada de um papel de maior protagonismo do Estado, como a manifestação da vontade democrática da maioria.
No novo livro publicado pela OIT, “Labour markets, institutions and inequality” (Mercados de trabalho, instituições e desigualdades), baseado nas contribuição das políticas da OIT, especialistas levantam essa questão, analisando como as instituições do mercado de trabalho, definidas amplamente, incluindo as instituições mais familiares que regulam o local de trabalho (negociação coletiva, salários mínimos, o tipo de contrato de trabalho e regulamentação da jornada de trabalho) assim como as instituições para redistribuição de renda (pensões, programas de transferência de renda para amparo a desempregados e famílias pobres, e serviços sociais públicos) contribuem para reduzir a desigualdade.
O livro trata especificamente de como a gama de instituições de políticas trabalhistas e sociais afeta o acesso de trabalhadores ao mercado de trabalho, seus salários e condições de trabalho quando empregados, assim como o papel de políticas sociais em influenciar a renda no trabalho e em fornecer proteção àqueles que não estão trabalhando.
Acesso ao mercado de trabalho
São necessárias políticas para promover o pleno emprego para garantir oportunidades no mercado de trabalho. A redução do custo do trabalho através de uma redução dos salários, como foi tentado recentemente na Grécia, não resolverá os problemas de desemprego, mas sim, políticas macroeconômicas, de comércio e de investimento, que precisam ser desenvolvidas com o objetivo explícito de dar apoio à criação de empregos. Em décadas recentes, o foco principal da política macroeconômica foi reduzir a inflação, com pouca ou nenhuma atenção dada à promoção do emprego. Contudo, os bancos centrais, e os bancos de desenvolvimento nacional, onde existem, têm um arsenal de ferramentas de políticas que podem usar para promover o desenvolvimento de negócios e a criação de emprego.
Os trabalhadores terão mais possibilidades para acessar esses empregos se houver instituições de apoio, tais como serviços públicos de assistência que facilitam a entrada e permanência das mulheres em empregos remunerados. Quando os serviços de assistência não são fornecidos de forma pública, os trabalhadores não conseguem acesso ao mercado de trabalho ou, quando têm acesso, têm menos flexibilidade – e assim menos opções e poder de negociação. Quando conseguem entrar no mercado de trabalho, podem ter que relegar suas responsabilidades domésticas a outros membros da família, geralmente mulheres, o que explica em parte uma parcela mais elevada de jovens mulheres sem educação, emprego e treinamento (NEET, na sigla em inglês) nas famílias de baixa renda.
Instituições do mercado de trabalho afetam seus rendimentos
A negociação coletiva e o salário mínimo são duas instituições que afetam diretamente os rendimentos dos trabalhadores, comprimindo a distribuição salarial geral através da elevação dos salários da base da pirâmide. A influência dos sindicatos na distribuição salarial em uma economia pode vir do seu papel como atores representando o mundo do trabalho em debates mais amplos de políticas econômicas e sociais, assim como quando são partícipes em acordos de negociação coletiva em nível de empresa ou de ramo industrial. A influência na negociação coletiva vai variar dependendo se o sistema é “restritivo”, limitado às partes ou unidades na negociação, ou se é “abrangente”, no qual os acordos de negociação coletiva são estendidos aos trabalhadores no setor econômico mais amplo, mesmo não sendo sindicalizados.
Os salários mínimos são também uma ferramenta eficaz para comprimir a distribuição do salário, e servem para diminuir a incidência de remunerações baixas tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. Mais de noventa por cento de Estados-membro da OIT têm sistemas estabelecidos de salário mínimo, e mesmo nos países em desenvolvimento, onde os mecanismos de aplicação da lei são fracos, os salários mínimos ajudam a reduzir a desigualdade. Ainda assim há os grupos que são excluídos da proteção do salário mínimo, tais como trabalhadores domésticos, e é necessário um esforço maior para assegurar que a cobertura seja universal e efetivamente aplicada.
Os tipos de contrato sob os quais as pessoas trabalham também influenciam sua remuneração e condições de trabalho. O aumento no número de contratos de trabalho temporário e por período parcial pode contribuir para a desigualdade dependendo de como isso é regulado nos mercados nacionais. Por exemplo, para o trabalho em período parcial onde a regulação nacional incorpora o princípio do tratamento isonômico de trabalhadores em tal regime, os salários e os benefícios serão calculados de forma proporcional e o trabalhador será menos penalizado por trabalhar em jornada parcial. Além disso, as políticas que concedem aos empregados o direito de entrar e sair do regime de tempo parcial mitigam o risco desses trabalhos transformarem-se em uma armadilha para sua carreira.
Os salários mínimos, a negociação coletiva e as políticas de proteção aos trabalhadores em regime por tempo parcial ou trabalhadores temporários ajudam a aumentar o salário das mulheres, dos jovens e trabalhadores imigrantes ao limitar a dispersão geral da renda no mercado de trabalho – pondo em causa o pressuposto de que a regulação do mercado de trabalho fere estes grupos.
As políticas redistributivas afetam a renda tanto dentro como fora do mercado de trabalho
Quando há fornecimento público de boa qualidade de educação, saúde e cuidado infantil, as famílias de baixa renda têm acesso aos serviços essenciais que dão suporte ao desenvolvimento e perspectivas futuras no mercado de trabalho para seus filhos. Diminui também sua necessidade de ter que comprar esses serviços no mercado a um custo elevado em relação a sua renda e frequentemente com qualidade inferior.
Os governos podem também redistribuir a renda através de uma miríade de programas sociais universais e direcionados. Além de incidir diretamente sobre a renda das famílias, as políticas sociais podem também indiretamente afetar a renda, através de sua influência no mercado de trabalho. Os programas de assistência social podem minimizar o desespero dos trabalhadores e a probabilidade de tornarem-se vítimas de trabalhos forçados ou outras formas de exploração da mão de obra. Os subsídios de desemprego podem melhorar a capacidade dos trabalhadores de voltarem ao mercado de trabalho, assim como sua capacidade de negociar salários mais altos; os programas de garantia de emprego podem melhorar a observância do salário mínimo.
O potencial redistributivo das políticas sociais é afetado também pela forma como são planejados, inclusive um misto entre formas públicas e privadas de proteção, e se há garantias mínimas para todos. Recentemente, muitos países desenvolvidos têm expandido seus programas de assistência social, o que é uma evolução bem-vinda, porque tem ajudado a reduzir a pobreza extrema. Mas pelo baixo nível dos benefícios, estas políticas precisam ser complementadas com outras medidas de proteção social que podem proporcionar um amparo ampliado aos trabalhadores e ter um efeito redistributivo maior.
A necessidade de vontade política
Há uma ampla gama de políticas distributivas e redistributivas às quais os países podem se adaptar, caso queiram construir sociedades justas; não há nenhum modelo “que sirva a todos” para reduzir a desigualdade, mas um leque de opções de políticas. Países de baixa renda com uma grande parcela de trabalho autônomo podem dar ênfase maior em expandir serviços públicos e instituir políticas sociais da proteção, enquanto os países de renda média e elevada necessitam atacar a desigualdade no mercado de trabalho em paralelo a políticas redistributivas.
Mas o ponto de partida é reconhecer que as forças do mercado por si sós não conduzirão a sociedades equitativas, com parcelas maiores da população na classe média. Há uma necessidade de intervenção do governo, de parceiros sociais ativos que possam moldar políticas e de vontade e compromisso políticos de todas as partes para construir e fortalecer as instituições que podem aumentar os rendimentos no trabalho, assim como proteger aqueles que estão fora do mercado de trabalho. Somente assim se poderá garantir sociedades justas.
Janine Berg é economista sênior no Departamento de Condições de Trabalho e Igualdade do Secretariado Internacional do Trabalho. É doutora em economia pela New School for Social Research em Nova Iorque. Ela escreve a título pessoal e, portanto, os pontos de vista expressados no blog não constituem um endosso por parte da OIT.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.