Janine Berg |
Valerio De Stefano |
Crowdwork [literalmente, ‘trabalho em multidão’ ou colaboração coletiva] é o trabalho informal do século 21. Como outras formas de trabalho informal, o crowdwork é caracterizado pela ausência de estabilidade no emprego e poucas, se alguma, proteções trabalhistas. No caso dos diaristas, dos estivadores e dos trabalhadores rurais – provavelmente os tipos de trabalho informal que mais prontamente vêm à mente –, o trabalho tem a duração de pelo menos um dia. Em contrapartida, a economia sob demanda (crowdwork), se baseia em tarefa imediata, que pode ser tão curta quanto uma viagem de poucos quilômetros ou quanto gastar dez minutos despendidos marcando fotos na internet.
Lucas Biewald, presidente da Crowdflower, plataforma de microtarefas, certa vez disse brincando que “antes da internet seria muito difícil encontrar pessoas que se sentassem por dez minutos para trabalhar para você e que, passados esses dez minutos, você as demitisse”. Agora, no entanto, “você pode, de fato, encontrá-las, pagar-lhes essa pequena quantia e depois livrar-se delas quando não mais as necessitar” (citado em Marvit, 2014).
O trabalhador da Turk, o motorista da Uber ou o artista plástico trabalhando em uma plataforma de design online precisam buscar por trabalho continuamente, monitorando suas telas de computadores ou telefones por oportunidades de trabalho. Com efeito, uma pesquisa recente da OIT sobre emprego e condições de trabalho nas duas principais microplataformas de colaboração coletiva verificou que os trabalhadores gastavam 18 minutos procurando trabalho para cada hora trabalhada (Berg, 2016). Como colocado por um trabalhador da plataforma Amazon Mechanical Turk dos Estados Unidos, “a parte mais difícil de trabalhar como Turk para ganhar a vida é, de fato, encontrar o trabalho. Para cada hora que eu gasto trabalhando é quase certo que eu vou gastar duas horas monitorando os diversos scripts que eu tenho rodando para ver que trabalhos aparecem” (citado em Berg, pág. 14, 2016).
E um trabalhador da Crowdflower da Sérvia disse: “Eu gostaria muito que as tarefas aparecessem uma atrás da outra para um trabalho específico, em vez de ficar esperando um tempão por elas” (citado em Berg, pág. 14, 2016). Mesmo quando as tarefas duram horas ou até dias, o trabalhador precisa ficar constantemente buscando por um novo trabalho. Noventa por cento dos trabalhadores pesquisados disseram que gostariam de estar trabalhando mais do que estão, citando trabalho insuficiente e baixa remuneração como as razões para não estarem trabalhando mais. Apesar de quererem trabalhar mais horas, muitos já trabalhavam demasiado: 40% dos entrevistados responderam que normalmente trabalhavam sete dias por semana e 50% indicaram ter trabalhado em regime de crowdwork por mais de dez horas em um dia. Baixa remuneração aliada à necessidade de trabalhar resultou em trabalhadores gastando muitas horas online.
A pesquisa revelou ainda que, dependendo da plataforma de microtarefa e das tarefas realizadas, os trabalhadores ganhavam em média entre US$2 e US$6 por hora. Em parte, a razão para a baixa remuneração por hora decorre do tempo despendido buscando por trabalho. Mesmo que uma tarefa de 15 minutos pague relativamente bem, o tempo gasto para encontrá-la joga o rendimento médio para baixo.
Mas a remuneração fica ainda mais comprometida porque essa forma de trabalho não é regulamentada. Em sua maioria, as plataformas enquadram esses trabalhadores como autônomos e, portanto, não tendo direito à proteção assegurada aos trabalhadores empregados em termos de horário de trabalho, salários, segurança, saúde no trabalho e proteção social. Isso faz com que os trabalhadores arquem com todos os riscos do trabalho. E significa que não há pisos salariais, o que permite que os rendimentos sejam inferiores ao salário mínimo em muitos dos países onde esses trabalhadores moram. Além disso, as licenças e os descansos não são pagos e os trabalhadores precisam arcar com todo o custo da contribuição paga à seguridade social; caso contrário, correm o risco de não terem cobertura na eventualidade de invalidez, perda de emprego ou aposentadoria. Com efeito, a pesquisa mostrou que apenas 9,4% dos trabalhadores estadunidenses da Amazon Mechanical Turk, cuja principal fonte de renda advinha do crowdwork, faziam contribuições à seguridade social e somente 8% faziam contribuições a um fundo de previdência privada.
Os trabalhadores também correm o risco de serem excluídos de direitos fundamentais, como o direito de sindicalização e de negociação coletiva, bem como de proteção contra discriminação, já que muitas jurisdições reservam esses direitos a [trabalhadores] empregados (De Stefano, 2016). Uma vez que seu direito de sindicalização raramente é reconhecido e, às vezes, até mesmo proibido por normas antitruste, o entendem como sendo uma forma de fixação de preço, esses trabalhadores enfrentam dificuldades ainda maiores para exigir melhores condições de trabalho do que outros trabalhadores informais. Além disso, esses trabalhadores estão dispersos pelo mundo. Na maioria dos casos, encontram-se sozinhos para enfrentar prazos e condições de trabalho definidas unilateralmente pelas plataformas.
Em alguns casos, por exemplo, os clientes têm permissão de recusar fazer o pagamento por um trabalho insatisfatório mesmo que fiquem com o trabalho, o que pode redundar em comportamentos oportunistas e ilegais. Embora o ‘roubo salarial’ seja comum em outros setores de baixa remuneração, essa característica da recusa “efetivamente legalizou o ‘roubo salarial’ no crowdwork, já que não há maneira de distinguir entre ‘roubo salarial’ e o uso legítimo e normal de um recurso intencionalmente projetado pela plataforma” (Silberman & Irani, 2016:518).
Os trabalhadores também podem ser excluídos de plataformas e de aplicativos ou serem impedidos de acessar trabalhos mais bem remunerados com base em classificações negativas. Os sistemas de classificação expõem os trabalhadores à discriminação, implícita ou explicitamente (Leong, 2014). Além disso, as classificações e avaliações são unilaterais: raramente os trabalhadores têm permissão de avaliar os clientes ou de responder ao feedback destes. Como resposta, alguns trabalhadores organizaram seu próprio fórum e métodos de avaliação dos clientes, como no caso do Turkopticon, um plug-in da plataforma Amazon Mechanical Turk, que “ajuda as pessoas na ‘multidão’ do crowdsourcing [outro termo para crowdwork] a cuidarem umas das outras – já que ninguém mais parece estar cuidando” (Turkopticon, s.d.).
Além de analisar e de avaliar o desempenho dos trabalhadores, as plataformas também são muito eficientes em monitorar o que os trabalhadores estão fazendo. O Upwork, um mercado de trabalho online para freelancers, oferece a seus clientes a opção de pagar por hora, uma vez que pode monitorar os trabalhadores por meio do registro do número de toques no teclado e de cliques de mouse e de fotos das telas tiradas aleatoriamente. A Uber espera que os motoristas fiquem com o aplicativo ligado por muitas horas; por outro lado, períodos prolongados sem se conectar podem implicar na desativação da conta. O aplicativo rastreia a localização dos motoristas mesmo quando estes estão de folga. Espera-se que os motoristas aceitem as corridas que o aplicativo lhes designar. Se cancelam ou deixam de aceitar apenas 10% das viagens, sua conta pode ser desativada e o trabalhador é demitido.
Mas as mesmas tecnologias usadas para monitorar os trabalhadores poderiam ser usadas para proteger seus direitos. As plataformas sabem quanto tempo os trabalhadores gastam online procurando trabalho, sabem quando eles estão trabalhando ou estão em horário de intervalo e sabem a qualidade de seu trabalho. Por que essa mesma tecnologia não pode ser usada para monitorar as horas trabalhadas para pagar um salário que ao menos esteja em conformidade com o salário mínimo e que permita pagar a seguridade social? Por que elas não podem usar essa tecnologia para melhor organizar o trabalho de modo que o tempo de busca dos trabalhadores seja minimizado?
As plataformas não se autorregularão para oferecer melhores condições de trabalho. E as plataformas bem intencionadas terão dificuldade de sobreviver em uma corrida global para baixo. Enquanto os governos não participarem e não reconhecerem os trabalhadores como os empregados que são, as plataformas continuarão a ter uma vantagem sobre os setores tradicionais, com o risco de uma deterioração das condições de trabalho que irá além do trabalho online. Com uma oferta quase ilimitada de mão de obra e a inexistência de responsabilidade por parte das plataformas, a informalização continuará. Como um dos entrevistados da pesquisa mencionada acima observou: “Obviamente esse é um modo de trabalho que certamente vai explodir no futuro. Se houvesse um mínimo de justiça nos estágios iniciais, isso seria benéfico para as perspectivas de longo prazo”.
Janine Berg é economista da Organização Internacional do Trabalho.
Valerio De Stefano é advogado da Organização Internacional do Trabalho.
Referências
Berg, J. (2016) ‘Income security in the on-demand economy: findings and policy lessons from a survey of crowdworkers’, ILO Conditions of Work and Employment Series, Working Paper No. 74, Geneva, ILO.
De Stefano, V. (2016) ‘The rise of the just-in-time workforce: on-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”’, ILO Conditions of Work and Employment Series, Working Paper No. 71, Geneva, ILO.
Leong, N. (2014) ‘The sharing economy has a race problem’, Salon, 2 de novembro. (http://www.salon.com/2014/11/02/the_sharing_economy_has_a_race_problem/), acessado em 26 de junho de 2016.
Marvit, M.Z. (2014) ‘How Crowdworkers Became the Ghosts in the Digital Machine’, The Nation, 5 de fevereiro. (https://www.thenation.com/article/how-crowdworkers-becameghosts-digital-machine/ ), acessado em 26 de junho de 2016.
Silberman, S., & Irani, L. (2016) ‘Operating an employer reputation system: lessons from Turkopticon, 2008–2015’, Comparative Labor Law & Policy Journal, 37 (3) Spring.
Turkoptikon (s.d.), https://turkopticon.ucsd.edu/ , acessado em 26 de junho de 2016.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
Valerio De Stefano é advogado da Organização Internacional do Trabalho.
Referências
Berg, J. (2016) ‘Income security in the on-demand economy: findings and policy lessons from a survey of crowdworkers’, ILO Conditions of Work and Employment Series, Working Paper No. 74, Geneva, ILO.
De Stefano, V. (2016) ‘The rise of the just-in-time workforce: on-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”’, ILO Conditions of Work and Employment Series, Working Paper No. 71, Geneva, ILO.
Leong, N. (2014) ‘The sharing economy has a race problem’, Salon, 2 de novembro. (http://www.salon.com/2014/11/02/the_sharing_economy_has_a_race_problem/), acessado em 26 de junho de 2016.
Marvit, M.Z. (2014) ‘How Crowdworkers Became the Ghosts in the Digital Machine’, The Nation, 5 de fevereiro. (https://www.thenation.com/article/how-crowdworkers-becameghosts-digital-machine/ ), acessado em 26 de junho de 2016.
Silberman, S., & Irani, L. (2016) ‘Operating an employer reputation system: lessons from Turkopticon, 2008–2015’, Comparative Labor Law & Policy Journal, 37 (3) Spring.
Turkoptikon (s.d.), https://turkopticon.ucsd.edu/ , acessado em 26 de junho de 2016.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.