Patrick Belser |
Nos últimos anos, a participação das remunerações trabalhistas no produto interno bruto (PIB) diminuiu em muitos países do mundo. Ao mesmo tempo, as desigualdades salariais atingiram níveis que muitos consideram insustentáveis em termos sociais e econômicos. Os níveis excessivos de desigualdade não só corroem a coesão social, eles também reduzem as oportunidades de mobilidade social, restringem o consumo dos grupos de baixa renda, enfraquecem a classe média e criam sociedades em que as elites vivem em mundos separados.
Portanto, a redução da desigualdade tornou-se um aspecto de maior importância para os atores políticos em muitas partes do mundo, fato que não se reflete apenas na agenda de trabalho digno da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas também na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que exige trabalho digno para todos e políticas de proteção fiscal, salarial e social, a fim de conseguir progressivamente níveis de igualdade mais elevados.
O último Relatório Mundial sobre Salários da OIT centra-se na desigualdade salarial e toma como ponto de partida o fato de que a desigualdade salarial é o resultado da combinação das diferenças entre as médias salariais entre as empresas e a desigualdade salarial nas empresas.
Essa perspectiva empresarial difere da abordagem mais tradicional nos conhecimentos como a principal causa da desigualdade. Numerosos estudos documentam como a tecnologia, a globalização, as pressões dos mercados financeiros, a desregulamentação dos mercados de trabalho e o fraco poder negociador dos sindicatos contribuem a aumentar a desigualdade salarial entre trabalhadores altamente qualificados e trabalhadores com níveis de formação mais baixos. Mas as próprias características individuais (idade, nível educacional, anos de permanência) não contribuem muito para explicar as variações entre os salários dos trabalhadores. O modelo simples do capital humano empregado no Relatório Mundial sobre Salários mostra que, por vezes, existem grandes diferenças entre os salários efetivamente recebidos pelas pessoas e os salários previstos para essas características individuais específicas. São observadas fortes discrepâncias em toda a distribuição, que são especialmente grandes na ponta, onde os trabalhadores recebem "pagamentos claramente excessivos" por suas características e, na base, onde recebem "pagamentos grosseiramente baixos".
As desigualdades entre as empresas importam
A bibliografia recente destaca a importância das diferenças entre as médias salariais das empresas como causa das desigualdades salariais. Estudos da OCDE estabeleceram, por exemplo, que as empresas mais produtivas estão à frente e que as diferenças de produtividade estão na base das diferenças salariais: "Se uma maior produtividade significa salários mais altos, as crescentes diferenças de produtividade entre as empresas podem se traduzir em diferenças salariais. Precisamente isso se desprende dos dados", escrevem Berlingieri, Blanchenay e Criscuolo (2017).
O Relatório Mundial sobre Salários deixa claro que, em vários países, existe, de fato, uma correspondência entre o baixo nível de desigualdade salarial entre os indivíduos e o baixo nível de desigualdade salarial entre as empresas (como no caso da Noruega, que tem um baixo nível de desigualdade salarial e onde 90% das empresas têm médias salariais moderadas), bem como entre os níveis mais altos de desigualdade em ambos os casos (como no caso do Reino Unido, que mostra níveis mais altos de desigualdade e uma maior porcentagem de empresas com médias salariais muito baixas ou muito altas). Nos países em desenvolvimento, as desigualdades salariais mais pronunciadas e as desigualdades entre as empresas superam os níveis observados nos países desenvolvidos.
Não devemos ignorar as desigualdades salariais nas empresas
As desigualdades entre as empresas são apenas uma parte da história. Com base na Pesquisa Europeia sobre a Estrutura dos Salários, o Relatório Mundial sobre Salários conclui que, na média europeia, a desigualdade salarial nas empresas equivale a 42% da variância salarial total, com fortes variações entre os países (ver Quadro 1).
Quadro 1: Divisão das desigualdades salariais entre e nas empresas da Europa
Nota: As estimativas mostram a divisão da variância total sem o residual estatístico. A introdução dos valores correspondentes a "entre" e "em" para cada país separadamente fornece a medida da variância total (sem o residual estatístico). Por exemplo, no caso da Bélgica, a variância total é de 0,147 (na escala logarítmica), sendo os componentes "entre" e "em" 0,082 e 0,068, respectivamente.
Fonte: Estimativas da OIT a partir do banco de dados da Pesquisa sobre a Estrutura dos Salários (SES, em inglês).
Um estudo publicado recentemente nos Estados Unidos (Song e outros, 2015) mostra que as desigualdades salariais nas empresas representam mais da metade da desigualdade total entre os salários. Em outras palavras, se não houvesse desigualdades nas empresas — se todos os trabalhadores recebessem o salário médio de suas empresas — a desigualdade salarial nos Estados Unidos cairia em menos de metade.
Claro que não é realista, nem seria desejável que a desigualdade salarial nas empresas seja reduzida para zero. Alguns funcionários têm mais responsabilidades do que outros e têm melhores qualificações, portanto devem ser recompensados. No entanto, cabe se perguntar se a desigualdade não terá ido muito longe em algumas empresas.
A partir da comparação dos salários dos indivíduos com o salário médio das empresas onde trabalham, o Relatório sobre Salários estabelece que a remuneração recebida pela maioria das pessoas (quase 80%) em médias e grandes empresas na Europa é inferior ao salário médio da empresa. Nos serviços imobiliários e financeiros, 99% dos trabalhadores percebem menos do que a média. Assim, a média é uma medida muito imperfeita do que os trabalhadores dessas empresas realmente ganham.
Se nos concentramos em empresas com médias salariais elevadas, detectamos que as desigualdades às vezes assumem níveis surpreendentes. Isso é mostrado no Quadro 2, que ordena todas as empresas de acordo com suas médias salariais e expõe os salários mais altos e mais baixos das empresas agrupadas. Nas empresas de ponta, a desigualdade salarial faz explosão.
Quadro 2: Salários médios e desigualdade salarial em Europa (22 países)
Fonte: Relatório Mundial sobre Salários da OIT (estimativas da OIT a partir da média ponderada de 22 economias retiradas do SES de Eurostat). Os países pesquisados foram Bélgica, Bulgária, Chipre, Eslováquia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Romênia e Suécia.
Chama a atenção que o que vale para a desigualdade salarial em geral, também vale para a diferença salarial por gênero. Enquanto na Europa a diferença salarial de gênero por hora é de aproximadamente 20%, essa diferença atinge não menos de 48% no 1% das empresas que apresentam as maiores médias salariais.
O que deve ser feito para reduzir a desigualdade salarial?
Além de melhorar os conhecimentos e a formação daqueles que estão na base da pirâmide, o que deve ser feito para reduzir a desigualdade salarial? Dada a magnitude das desigualdades salariais nas empresas que acabamos de documentar, não há dúvida de que a autorregulamentação das empresas tem a ver com a manutenção da desigualdade salarial dentro de limites socialmente aceitáveis. De fato, o pagamento de muitos CEO está sendo estabelecido por eles mesmos, embora, geralmente, os acionistas não tenham a possibilidade de assegurar que a remuneração dos executivos seja compatível com os valores sociais ou, pelo menos, com o desempenho da empresa. As iniciativas para regulamentar os salários mais altos têm se focado na transparência das remunerações e na participação dos acionistas nas decisões sobre pagamentos. Está atualmente em discussão se mais medidas regulatórias ou impostos mais altos seriam necessários para desencorajar os pacotes de remuneração que se baseiam no valor para os acionistas a curto prazo, e não no desempenho da empresa a longo prazo.
A legislação sobre salários mínimos e negociações coletivas também desempenham um papel fundamental na redução das desigualdades entre as empresas e dentro delas, conforme demonstrado pela experiência de vários países europeus e pelo estudo do caso do Brasil por Álvarez e outros (2016). No entanto, as diferenças entre as modalidades de organização das negociações coletivas têm efeitos diferentes. Se as negociações forem realizadas em nível da empresa ou do local de trabalho, o efeito é limitado à desigualdade salarial nas empresas. Mas, se as negociações coletivas são conduzidas a nível nacional, industrial ou setorial em contextos multiempresariais, com coordenações que transcendem os níveis, cobrem uma maior percentagem de trabalhadores, pelo que a redução da desigualdade tanto nas empresas quanto entre elas torna-se mais provável. A extensão dos acordos coletivos a todos os trabalhadores em um setor específico ou do país pelo governo pode reforçar esses efeitos.
Desde que as diferenças entre as médias salariais das empresas têm um impacto decisivo sobre a desigualdade salarial geral, fomentar o crescimento da produtividade das empresas sobre bases amplas poderia gerar médias salariais mais elevadas e, simultaneamente, reduzir as desigualdades salariais. De acordo com os estudos da OCDE, as "empresas atrasadas" poderiam ser impelidas a imitar os desempenhos produtivos das "empresas líderes", incorporando novas tecnologias e boas práticas. De acordo com Criscuolo (2015) "algumas empresas `o entendem´ e outras não".
Infelizmente, as coisas podem ser mais difíceis. Um dos maiores desafios políticos é dado pela fragmentação ou pelo que David Weil (2014: 4) chama de "locais de trabalho fraturados": a transformação de como o mundo dos negócios organiza o trabalho, concentrando-se nas atividades básicas e transferindo muitos empregos mal pagos — porteiros, guardas de segurança, motoristas, pessoal de atendimento ao cliente, etc. — para diferentes empregadores. Nesses casos, não haverá muito espaço para melhorar a produtividade no segmento de baixo valor agregado. Como Weil explica,
...a nova organização dos empregos também prejudica os mecanismos que uma vez permitiram que a força de trabalho compartilhasse uma parte do valor gerado por grandes empregadores corporativos. Ao transferir o emprego para outras partes, as empresas que tomam a decisão transformam um problema de estabelecimento de salários em uma decisão contratual. Como resultado, há uma estagnação dos salários reais correspondente a muitas tarefas que anteriormente eram realizadas na empresa (Weil, 2014: 4).Portanto, a solução terá que incluir práticas de aquisição responsável das empresas que tomam a decisão, bem como iniciativas que assegurem a inclusão de todas as partes da cadeia de valor nos acordos coletivos.
Patrick Belser trabalha como economista principal da OIT e é coautor do Relatório Mundial sobre Salários.
Referências bibliográficas
Álverez, J.; Engbom, N.; Benguria, F.; e Moser, C (2017) Firms and the Decline in Earnings Inequality in Brazil [As empresas e a redução da desigualdade de renda no Brasil], Columbia Business School Research Paper Núm. 17-47.
Berlingieri, G.; Blanchenay, P.; e Criscuolo, C. (2017) ´A study of 16 countries shows that the most productive firms (and their employees) are pulling away from everyone else´ [´Um estudo de 16 países mostra que as empresas mais produtivas (e seus funcionários) afastam-se de todos´], Harvard Business Review, 24 de agosto.
Criscuolo, C. (2015) ´Productivity is soaring at top firms and sluggish everywhere else´ [´Há uma alta produtividade nas empresas de ponta e fraca em todas as outras´], Harvard Business Review, 24 de agosto.
OIT (2017) Relatório Mundial sobre Salários 2016/17: Desigualdades salariais no local de trabalho, OIT, Genebra.
Song, J.; Price, D.; Guvenen; F.; Bloom, N.; e von Wachter, T. (2015) Firming up inequality [Desigualdade crescente nas empresas], Escritório Nacional de Pesquisa Econômica, Documento de Trabalho Num. 21199, Cambridge (Estados Unidos).
Weil, D. (2014) The Fissured Workplace: why work became so bad for so many and what can be done to improve it [Empregos fraturados: por que o trabalho se deteriorou para tantos e o que pode ser feito para melhorar], Harvard University Press, Cambridge, Estados Unidos.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
Referências bibliográficas
Álverez, J.; Engbom, N.; Benguria, F.; e Moser, C (2017) Firms and the Decline in Earnings Inequality in Brazil [As empresas e a redução da desigualdade de renda no Brasil], Columbia Business School Research Paper Núm. 17-47.
Berlingieri, G.; Blanchenay, P.; e Criscuolo, C. (2017) ´A study of 16 countries shows that the most productive firms (and their employees) are pulling away from everyone else´ [´Um estudo de 16 países mostra que as empresas mais produtivas (e seus funcionários) afastam-se de todos´], Harvard Business Review, 24 de agosto.
Criscuolo, C. (2015) ´Productivity is soaring at top firms and sluggish everywhere else´ [´Há uma alta produtividade nas empresas de ponta e fraca em todas as outras´], Harvard Business Review, 24 de agosto.
OIT (2017) Relatório Mundial sobre Salários 2016/17: Desigualdades salariais no local de trabalho, OIT, Genebra.
Song, J.; Price, D.; Guvenen; F.; Bloom, N.; e von Wachter, T. (2015) Firming up inequality [Desigualdade crescente nas empresas], Escritório Nacional de Pesquisa Econômica, Documento de Trabalho Num. 21199, Cambridge (Estados Unidos).
Weil, D. (2014) The Fissured Workplace: why work became so bad for so many and what can be done to improve it [Empregos fraturados: por que o trabalho se deteriorou para tantos e o que pode ser feito para melhorar], Harvard University Press, Cambridge, Estados Unidos.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.