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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A responsabilidade empresarial pela violação dos direitos humanos no direito internacional

Nina Bünger
Com frequência, as subsidiárias e os fornecedores de empresas europeias ignoram os direitos humanos e as normas trabalhistas fundamentais. Normalmente, a matriz é acusada porque suas subsidiárias ou fornecedores, mesmo conhecendo as normas fundamentais de segurança no trabalho, não as cumprem ou as ignoram por negligência. No entanto, as violações são cometidas por outros atores que atribuem seus atos a transnacionais europeias que atuam no fundo. Esses danos (conhecidos como torts quando podem acarretar indenizações legais) costumam ser causados em países cuja legislação nacional não é suficiente para obrigar as empresas a respeitar os direitos humanos, ou que não têm uma implementação efetiva do direito. Portanto, são necessários recursos nos países onde as empresas transnacionais responsáveis estão sediadas.

Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde as reclamações por violações do direito internacional baseadas em danos são recebidas de acordo com a Alien Tort Claims Act (Lei de Responsabilidade Civil no Exterior), o direito civil europeu oferece poucas opções para responsabilizar as empresas por violações dos direitos humanos. A enxurrada de regulações jurídicas frouxas, como as diretrizes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), os Princípios Reitores sobre as Empresas e os Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) e as Diretrizes sobre Responsabilidade Social Empresarial, e as limitações voluntárias são fracas demais porque não têm poder vinculante.


Considerando que, geralmente, os direitos humanos –tais como o direito à vida, à saúde e à propriedade– podem ser subsumidos em sua maioria sob os interesses legais protegidos pelo direito nacional de responsabilidade civil, este artigo explora caminhos que permitem preencher as lacunas legais a partir do direito de responsabilidade civil existente em nível nacional (conforme Meeran, 2011). Um exemplo é o caso Chandler contra Cape no Reino Unido, em que os empregados sul-africanos de uma empresa de mineração moveram uma ação judicial contra a empresa matriz britânica por terem sido expostos ao amianto. Nesse caso, a jurisdição pode ser relevante para outros, como no caso em andamento de Jabit e outros contra KiK Textilien na Alemanha, no qual trabalhadores paquistaneses sobreviventes e parentes moveram uma ação por danos e prejuízos contra a empresa têxtil alemã, argumentando sua responsabilidade compartilhada pela morte de 250 trabalhadores em um incêndio na fábrica em Karachi.

O argumento no julgamento Chandler contra Cape ajusta-se aos princípios de responsabilidade civil próprios do Direito anglo-saxônico (common law) que são aplicáveis na África do Sul e, provavelmente também, em outras jurisdições do common law. Segundo o artigo 4 do Regulamento “Roma II”, as ações por danos no exterior são regidas pelo direito nacional do país onde a violação foi produzida. Os abusos na indústria têxtil ocorrem, com frequência, em antigas colônias do Império Britânico, cujo direito civil é influenciado, em primeiro lugar, pelo common law. No Direito paquistanês, derivado do common law e cuja aplicação é pertinente no caso Jabit contra KiK, considera-se que os casos ingleses ainda são altamente relevantes para sua interpretação legal (ECCHR, 2015).

Jabit contra KiK difere de Chandler contra Cape porque no caso KiK não existe um relacionamento baseado na estrutura da empresa, embora a argumentação dos demandantes seja parecida: KiK tinha o dever de proteger os trabalhadores de sua subcontratada, já que foi a destinatária de quase 100% de sua produção. Isso inclui o cumprimento das normas básicas de proteção contra incêndios pelos fornecedores da KiK. Apesar de que o tribunal ainda não tomou uma decisão, os seguintes pontos devem ser considerados para levar adiante casos como o referido.

Responsabilidade por fato de outrem

De acordo com o common law, uma empresa transnacional pode ser responsabilizada pelas violações de direitos humanos cometidas por suas subsidiárias ou subcontratadas por meio da responsabilidade por fato alheio ou de outrem, que estabelece a responsabilidade do superior pelos atos de seus subalternos. Uma empresa subsidiária ou subcontratada não é subalterna de uma empresa matriz ou de um cliente, no entanto, a responsabilidade poderá ser transmitida se for o caso de uma relação similar a um emprego. Isso depende da influência exercida sobre o conteúdo, a natureza do trabalho, o potencial de controle da matriz ou do cliente, e o grau de dependência da empresa subsidiária ou fornecedora. No caso da KiK, pode-se defender a existência de uma relação similar a um emprego porque o fornecedor entregou quase toda a produção à KiK. Inclusive sem a evidência suficiente para a existência de uma relação similar ao emprego, a empresa cliente poderá ser indiretamente responsável por sua contratada independente (a) se o cliente mantiver controle sobre as contratadas afetadas ou sobre o departamento em questão da empresa subsidiária; (b) se assumir um compromisso negligente com uma contratada incompetente; ou, (c) se recorrer à contratada para atividades intrinsicamente perigosas (Güngör, 2016).

Dever de assistência e proteção

O dever de assistência e proteção é a obrigação legal de respeitar padrões razoáveis de assistência e proteção durante a execução de toda atividade que, previsivelmente, possa infligir danos a outras pessoas, e seu descumprimento constitui uma responsabilidade conforme o direito de responsabilidade civil. Em sua maioria, os países europeus carecem de regulações explícitas de um dever de assistência e proteção das empresas baseado nos direitos humanos que seja aplicável a seus fornecedores e subsidiárias. Portanto, a questão da existência ou não de tal dever da empresa matriz constitui um aspecto controverso nos litígios contra as empresas transnacionais por danos relacionados com a violação de direitos humanos no exterior.

No artigo 1340 de seu Code Civil, a legislação francesa estabeleceu recentemente a responsabilidade institucional das empresas matrizes por suas subsidiárias no exterior em matéria de direitos humanos, sujeitando tal responsabilidade expressamente ao efeito de terceiros em favor dos empregados. O dever de assistência e proteção não precisa ser necessariamente definido por lei, sendo desenvolvido, com frequência, através da jurisprudência. No caso Chandler contra Cape, o tribunal britânico estabeleceu que a empresa matriz tinha o dever de proteger os empregados da empresa subsidiária e que não o cumpriu ao descuidar os padrões sanitários. Os critérios estabelecidos pelo tribunal britânico para aplicar tal responsabilidade pela saúde e segurança dos empregados da empresa subsidiária foram: (a) trabalham no mesmo setor; (b) a empresa matriz tinha um conhecimento mais profundo da saúde e da segurança na atividade setorial específica; (c) a empresa matriz sabia, ou deveria saber que o sistema de trabalho da empresa subsidiária não era seguro; e (d) a empresa matriz sabia, ou deveria ter previsto, que a empresa subsidiária ou seus empregados confiariam que esse conhecimento mais profundo seria usado para proteger os empregados. Para que (d) seja aplicável, é suficiente que na prática haja uma intervenção nas operações relativas ao negócio, tais como a produção ou o financiamento.

Esta linha de argumentação estabelece o dever de assistência e proteção a partir do poder de controle da empresa matriz. A responsabilidade deriva da violação criada pela própria negligência e, portanto, não contradiz a ‘Doutrina do Véu Corporativo’ —o escudo mais usado pelas empresas transnacionais nos casos de violações dos direitos humanos no exterior—, um princípio do direito de sociedades, segundo o qual os acionistas, assim como as empresas matrizes, não seriam responsáveis pelas obrigações de uma empresa. No caso Chandler contra Cape, o tribunal não concordava que a responsabilidade dependia do levantamento do véu corporativo: ‘A questão é se o ato da empresa matriz implicava que assumia uma obrigação direta perante os empregados da empresa subsidiária.’

Os critérios desenvolvidos no caso Chandler contra Cape poderiam servir para debater a responsabilidade da KiK: (a) A KiK e seu fornecedor operam no setor têxtil; (b) A KiK deveria estar familiarizada com as questões de saúde e segurança no setor têxtil, bem como com as normas de segurança de edificações; (c) A KiK conhecia, ou deveria conhecer, por meio de sua gestão de segurança, os planos de melhoramento, os programas de aperfeiçoamento, as visitas periódicas de empregados e a participação de uma empresa certificadora, e sabia que o sistema da empresa subsidiária não era seguro; e, (d) a KiK se envolvia ativamente. No caso Chandler contra Cape, o tribunal estabeleceu que a presunção da responsabilidade não depende da estrutura do grupo e não está relacionada com a propriedade, mas com o controle efetivo. Não existe nenhuma razão pela qual isso não seria válido também para as cadeias de produção.

As medidas que o dever de assistência e proteção exige dependem dos padrões de proteção concretos de uma empresa ‘razoável’. Tais padrões podem ser definidos mediante limitações voluntárias formuladas no código de conduta de uma empresa e registram a vontade de manter determinados padrões em sua produção no exterior. Dessa maneira, criam uma expectativa pública que pode atuar como referência (Thomale & Hübner, 2017). Embora as limitações voluntárias não acarretem obrigações legais diretas, contribuem para formar uma percepção geral que define o alcance do dever de assistência e proteção.

Também as normas internacionais, como os Princípios Reitores sobre as Empresas e os Direitos Humanos das Nações Unidas podem determinar os padrões de proteção desejados. A partir de sua aprovação unânime pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, esses princípios refletem o consenso da comunidade internacional sobre uma conduta empresarial apropriada e cuidadosa nas relações econômicas internacionais. Em um contexto diferente, na Alemanha é jurisprudência estabelecida recorrer às diretrizes do direito público ou a padrões estabelecidos para definir o dever de assistência e proteção. O Tribunal Federal de Justiça esclareceu que tais padrões não constituem normas com efeito vinculante para terceiros; entretanto, como recomendações de especialistas são especialmente indicados para determinar o que se espera em matéria de segurança (Saage-Maaß & Leifker, 2015).

Apesar dessas tendências promissoras na Europa, os litígios relativos à violação de direitos humanos no exterior continuam sendo muito escassos. Com frequência, os ‘segredos’ setoriais criam dificuldades para as investigações, e os possíveis demandantes não têm recursos para iniciar um litígio. Trata-se, então, de uma oportunidade única para que o movimento sindical dê uma mostra de solidariedade internacional através do trabalho conjunto com os sindicatos no sul global. Tanto a sociedade civil como os sindicatos podem apoiar casos deste tipo por meio da coleta e do processamento de informações, ou proporcionando os recursos necessários ao demandante. A atenção midiática criada a partir desses casos pode ter um efeito poderoso para prevenir as más práticas das empresas transnacionais e, devido à sua complexidade jurídica, os litígios por danos podem ajudar a desenvolver uma jurisprudência coerente ou preencher as lacunas na regulamentação legal por meio de tal jurisprudência.

Baixe este artigo em PDF

Nina Bünger é cientista política e advogada. Atualmente, trabalha como coordenadora da organização de direitos humanos FIAN da Alemanha para casos específicos na América Latina. Suas áreas de trabalho incluem o estudo de casos específicos, conflitos de terra e o monitoramento do direito à alimentação na América Latina, e mais especificamente a justiciabilidade, as obrigações extraterritoriais dos estados e a responsabilidade empresarial.

Bibliografia
ECCHR (2015) Legal Opinion on English Common Law Principles on Tort. Jabir and Others v Textilien und Non-Food GmbH [Parecer jurídico sobre os princípios do direito consuetudinário inglês sobre responsabilidade civil. Jabir et al. contra Textilien und Non-Food GmbH]. Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos.

Güngör, V. (2016) Duty of care for companies in transnational human rights cases (In German) [O dever de assistência e proteção nos casos transnacionais de direitos humanos (em alemão)], Hamburgo: Ed. Verlag Dr. Kovac.

Meeran, R. (2011) ‘Tort Litigation against Multinational Corporations for Violations of Human Rights’ [‘Processo de responsabilidade civil por violações de direitos humanos contra empresas multinacionais']. City University of Hong Kong Law Review, 3(1)

Saage-Maaß, M. e Leifker, M. (2015) ‘Liability risks of German companies and their management for human rights violations abroad‘ (em alemão) [‘Riscos de responsabilidade de empresas alemãs e seus diretores por violações de direitos humanos no exterior' (em alemão)]. Betriebs-Berater, 42.

Thomale, C. e Hübner, L (2017) ‘Enforcement of corporate responsibility under international law by civil courts’ (in German) [‘A implementação da responsabilidade empresarial em relação ao direito internacional pelos tribunais civis' (em alemão)]. Juristen Zeitung 72(8), abril.
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As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.

Posted in: cadeias de abastecimento,direitos humanos,responsabilidade empresarial
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