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domingo, 16 de dezembro de 2018

Novas tecnologias, trabalho e soberania digital

Víctor Figueroa
O movimento operário internacional costuma focar no impacto direto da tecnologia nos trabalhadores e, mais especificamente, na perda de emprego. Ao longo da história, a tecnologia teve a tendência de substituir o trabalho, a fim de intensificá-lo e facilitar a reorganização dos processos de trabalho. Por esse motivo, inclinamo-nos a falar do ‘impacto’ da mudança tecnológica nos trabalhadores. O termo destaca o fato de que, sem o controle da economia e com pouca incidência na política, os trabalhadores sempre estiveram expostos aos efeitos negativos da mudança tecnológica.

Uma narrativa enganosa
Já faz alguns anos que a ‘Quarta Revolução Industrial’ está na boca de todos e, com ela, a preocupação pelo ‘futuro do trabalho’ que aparece em manchetes como: ‘No sudeste da Ásia, milhões de empregos são perdidos pela automação’ (Cruickshank, 2016) ou: ‘Adaptar-se ou morrer: o que fazer quando os bots tiram o seu trabalho' (Wall, 2016). Essas manchetes contribuem para que os sindicatos continuem focados nesse aspecto da mudança tecnológica. No entanto, não é a primeira vez que os trabalhadores enfrentam prognósticos desalentadores.

Nas décadas de 60 e 80 havia uma grande preocupação pela possível destruição dos empregos pela robotização e pela microeletrônica. Em retrospectiva, detectamos mudanças substanciais na economia, que incluem a perda de emprego, mas também percebemos que o ritmo, a magnitude e o impacto das mudanças não coincidiram, de modo algum, com as previsões catastróficas iniciais. Até um determinado ritmo de mudança, os processos de destruição, de mudança e de criação de emprego se neutralizam. E quando a tecnologia vem acompanhada de investimentos, formação e compensações, seus piores efeitos podem ser reduzidos em grande parte.

Há poucas evidências para afirmar que as mudanças tecnológicas que hoje estão em discussão sejam substancialmente diferentes. A produtividade, um indicador para medir a mudança tecnológica, não está aumentando (OCDE, 2018). Muitas das chamativas aplicações tecnológicas novas são de menor escala. Alguns números indicam, também, que, na realidade, a implementação dessas tecnologias aumenta os níveis de emprego (Arntz et al, 2018). Outros sustentam que até as maiores perdas de trabalho estão dentro das margens da taxa de eliminação de empregos na economia global.

As novas tecnologias acarretarão mudanças no conjunto de tarefas que compõem muitos empregos. Algumas tarefas serão perdidas, enquanto outras surgirão. Em termos da economia como um todo, alguns empregos desaparecerão, mas a maioria acabará se transformando. E, paulatinamente, novos empregos serão criados. O impacto geral dependerá sobretudo dos quadros regulatórios e das condições macroeconômicas, mais que da simples existência de uma tecnologia.

O maior impacto da tecnologia
Isso não quer dizer que as novas tecnologias não afetarão os trabalhadores. Implantar sensores em bens, equipamentos e ferramentas, e sua capacidade de intercomunicação, abrirá o caminho para o ‘taylorismo digital’, onde cada aspecto do processo de trabalho pode ser medido, incluindo o trabalhador, e onde as medições podem ser usadas para obter a maior eficiência possível. O perigo não vem tanto da possibilidade de que os processos sejam plenamente automatizados, mas de que os trabalhadores sejam transformados em autômatos virtuais.

O acesso aos dados foi tradicionalmente difícil. Hoje, em troca, a tecnologia abriu a possibilidade de medir amplas áreas da vida de um modo antes impensável. Os dados sobre as pessoas, os processos e o hardware estão se transformando em componentes que interconectam toda a economia. Alguns dados são fornecidos voluntariamente como, por exemplo, aqueles que entregamos livremente às plataformas para serem usados na identificação e composição das tendências de consumo. Outros dados são coletados, gostemos ou não, no trabalho ou por meio de tecnologias de supervisão. Com frequência, o acesso a um serviço se baseia no fornecimento de dados, por exemplo, ao baixar um aplicativo no celular, ou ao usar uma linha de ajuda telefônica. Portanto, os dados em todas as formas apagam os limites anteriormente existentes entre os setores econômicos, mas também nos âmbitos econômico, social e político.

Hoje em dia, os dados gerados no mundo são reunidos, na sua maioria, por um punhado de empresas americanas: Google, Facebook, Amazon, Microsoft e Apple. Essas empresas criam ou são proprietárias de boa parte do hardware e do software que permite a coleta, o processamento e a análise de dados. Em seus servidores são armazenados também dados coletados por outras empresas para serem processados com seu próprio software. Os dados apresentam-se em múltiplos formatos e são compilados em muitas plataformas. No entanto, todos os formatos podem ser agregados, analisados e posteriormente usados como insumos para a ação; descrevem processos de trabalho, setores industriais, a economia em conjunto, mas também pessoas, grupos sociais, industriais e cidadãos.

Todos esses dados são de propriedade privada, e são processados para benefício de privados. Isso os torna uma mercadoria, assim como a capacidade de trabalho dos trabalhadores. É um produto adicional da existência das pessoas que foge de seu controle e que pode ser usado contra elas. Quanto mais a digitalização se expande e mais aplicações são criadas para ela, mais a nossa existência e o nosso ambiente estão sujeitos a medições. A questão será como essas medições serão usadas.

Os dados são também a matéria-prima que alimenta a inteligência artificial. Ainda não chegamos ao ponto de que a inteligência artificial seja usada para controlar os processos de trabalho e definir os parâmetros de ‘sucesso’. No entanto, com os dados adequados, a inteligência artificial poderia prognosticar a probabilidade de um conflito trabalhista, de doenças, da paternidade de um trabalhador etc. Mas, quem se beneficiaria? Quais seriam os parâmetros aplicáveis?

Fuga do imperialismo digital
No capitalismo, os dados da maioria, concentrados nas mãos de poucos e transformados em mercadorias, obviamente ameaçam suprimir por completo a autonomia dos trabalhadores. Portanto, as regras relativas à coleta, ao uso e à propriedade dos dados tornaram-se uma enorme preocupação para os trabalhadores. Entretanto, a esfera digital tem caráter transnacional. Em seu formato digital, os dados podem viajar ao redor do mundo em milésimas de segundos e ser armazenados em diferentes lugares assim que são gerados.

A fim de poder controlar o uso de seus dados, os trabalhadores devem ser capazes de exercer esse controle em nível nacional. Para conseguir isso, as normas trabalhistas devem abarcar a monitorização dos empregados e da tecnologia de supervisão, mas também o armazenamento dos dados. Por isso, as propostas da OMC sobre comércio eletrônico são tão perigosas para os trabalhadores. Ao proibir a transferência de tecnologia e o controle do fluxo de dados, mantendo os algoritmos em segredo e liberando as empresas digitais da obrigação de se registrarem nas agências tributárias nacionais, estariam consagrando o acesso das empresas digitais estadunidenses à maioria dos dados sobre os trabalhadores do mundo, o que, por sua vez, consolidaria a vantagem tecnológica do mundo desenvolvido.

Os trabalhadores devem pensar nas formas de coleta e uso de dados que considerem aceitáveis para eles. Deveriam poder decidir quem armazena os dados e onde o faz. Uma solução lógica seria a criação de bancos de dados nacionais, cujo acesso pelas empresas e por outros países fosse pago. Contudo, isso exigiria o estabelecimento de plataformas digitais nacionais ou, alternativamente, o depósito dos dados compilados nessas plataformas pelas empresas tecnológicas existentes, sem copiá-los. Outra solução seria a introdução de firewalls para negar o acesso a empresas que não paguem impostos nem respeitem a legislação sobre o uso de dados. A responsabilidade pelos dados dos empregados poderia também estender-se às empresas não tecnológicas. Não será fácil estabelecer a soberania digital, mas é algo sumamente necessário.

A história do mundo em desenvolvimento mostra uma infinidade de exemplos sobre o que pode acontecer quando os governos tentam estabelecer sua soberania econômica ou política. Provavelmente, a situação seja a mesma na esfera digital; a importância dos dados nacionais como um recurso estratégico revela-se precisamente nessa área. Se todos os dados referentes à economia, ao clima, ao solo, ao código genético da população e ao ecossistema em geral de um país forem armazenados no exterior, esse país será dependente de quem tenha esses dados. Justamente os dados sobre as pessoas são a maior fonte de vulnerabilidade de um país. Os dados sociais podem funcionar como um exame de ressonância magnética de uma sociedade: revelam suas fraturas, fissuras, pontos críticos e tensões. O fato de que uma potência inimiga tenha conhecimento de tudo isso pode acarretar sérias dificuldades para qualquer governo.

Portanto, há razões fundamentadas para que os países no mundo inteiro comecem a controlar a produção, a coleta, a análise e o uso dos dados. Na realidade, já começaram a fazê-lo e há duas grandes tendências. Na Europa e no mundo ocidental em geral, o interesse público está centralizado na privacidade e nos direitos dos cidadãos individuais, sendo o exemplo mais avançado o Registro Geral de Proteção de Dados (RGPD) europeu. Além disso, observa-se uma clara tendência para controlar as informações como parte do debate sobre as ‘fake news’, declaradas ilegais na França. Já em outras partes do mundo, a prioridade não é a privacidade, mas os efeitos do controle estrangeiro sobre os dados e as informações em matéria de segurança. O Vietnã, o Irã, a China e Cuba tem firewalls que controlam o acesso à mídia social. Na Rússia, a preocupação aumentou depois da avaliação do papel da mídia social nas 'Revoluções Coloridas' na Ucrânia e nas crises da Líbia e da Síria. Hoje, os dados devem ser armazenados na Rússia e os blogueiros com muitos seguidores devem registrar-se como meios informativos. A Índia também insiste em armazenar os dados no país. Em resumo, a soberania digital cada vez mais é considerada como um componente essencial da segurança nacional e do desenvolvimento econômico justo. Sem ela, não haverá garantias para um desenvolvimento equitativo nem para boas condições de trabalho no futuro.

Baixe este artigo em PDF

Víctor Figueroa é pesquisador principal sobre novas tecnologias e o futuro do trabalho da Federação Internacional de Trabalhadores do Transporte (ITF na sigla em inglês). Em seu trabalho, examina as tendências observadas na tecnologia, na economia global e nas relações internacionais, e o impacto que poderiam ter sobre os trabalhadores. Alguns estudos estão disponíveis em Medium: https://medium.com/me/stories/public. Víctor Figueroa é biógrafo de Salvador Allende. 
Twitter: @DrFutureTech

Bibliografia
Arntz M., Gregory T., Zierahn U. (2018), Digitalisierung und die Zukunft der Arbeit: Makroökonomische Auswirkungen auf Beschäftigung, Arbeitslosigkeit und Löhne von morgen [A digitalização e o futuro do trabalho; efeitos macroeconômicos sobre o emprego, a desocupação e os salários do amanhã], Mannheim: ZEW. 

OECD [OCDE] (2018), OECD compendium of productivity indicators [Compêndio de indicadores de produtividade da OCDE], Paris: OECD Publishing. 

Wall (2018), ‘Adapt or die: how to cope when the bots take your job' [‘Adaptar-se ou morrer: o que fazer quando os bots tiram o seu trabalho'], BBC News.

As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.

Posted in: futurodotrabalho,soberaniadigital,tecnologia
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