Christoph Scherrer |
O artigo descreve os déficits no direito trabalhista do México, apresenta um apêndice referente às reformas da legislação trabalhista mexicana que foram negociadas pelos representan- tes de Comércio de Trump e, ainda mais importante, detalha os mecanismos para garantir o seu cumprimento que a Câmara de Representantes, de maioria democrata, introduz com sucesso na Lei de Implementação.
Direito trabalhista do México
De acordo com a Confederação Sindical Internacional, o México faz parte do grupo de países que violam sistematicamente as normas trabalhistas básicas da Organização Internacional do Trabalho. O indicador de direitos trabalhistas do Centro dos Direitos Globais dos Trabalhadores (CGWR, na sigla em inglês) diferencia entre legislação e prática do direito trabalhista, com resultados consideravelmente piores em relação ao segundo aspecto (CGWR, 2019).
O direito trabalhista mexicano garante a liberdade de associa- ção sindical e o direito de greve; no entanto, os sindicatos devem ser reconhecidos pelo Ministério do Trabalho para poder atuar como interlocutores nas negociações coletivas. Os laços estreitos entre os sindicatos tradicionais e o ex-partido do Estado autoritário, o Partido Revolucionário Institucional, resultaram na exclusão das organizações sindicais independentes. Dessa maneira, o direito de greve é limitado a sindicatos reco- nhecidos. A justiça trabalhista baseia-se em tribunais de arbitra- gem tripartidos sob a predominância dos representantes do governo. Devido ao grande número de sindicatos, os acordos coletivos prevalecem no nível da empresa. Tais acordos geral- mente assumem a forma de «acordos de proteção», ou seja, acordos entre a administração da empresa e porta-vozes auto- proclamados dos trabalhadores, com uma tendência favorável à administração, que não preveem a participação dos trabalhado- res. Segundo estimativas de especialistas, esses «acordos de proteção» representam cerca de 90% de todos os acordos coletivos registrados (Cisneros, 2019: 2). Apenas cerca de 2% dos assalariados mexicanos fazem parte de sindicatos indepen- dentes e apenas 1% desses associados tem um acordo coletivo revisado e ratificado pela força de trabalho afetada.
Por muito tempo, o movimento sindical dos Estados Unidos denunciava esses defeitos no direito trabalhista mexicano. Consequentemente, insistiram que os novos acordos de livre comércio com o México incluam, sem exceção, o compromisso do governo mexicano de reformar a legislação trabalhista.
Em 30 de novembro de 2018, os chefes de governo dos três países assinaram o USMCA, que incluía um anexo sobre a parti- cipação dos trabalhadores nas negociações coletivas no México (Anexo 23-A). Em 1º de dezembro do mesmo ano, Andrés Manuel López Obrador (geralmente conhecido como AMLO) assumiu a presidência do México. Em sua plataforma eleitoral, ele prometera promover uma reforma progressista do direito trabalhista. Em maio de 2019, a referida promessa foi ampla- mente cumprida, de acordo com o Anexo 23-A do USMCA. De acordo com este anexo, um sindicato representando com pelo menos 30% da força de trabalho de uma empresa pode ser reconhecido como o interlocutor exclusivo da negociação coletiva. No entanto, o acordo coletivo deve ser ratificado pela maioria da força de trabalho representada. Também foi criado um órgão independente de arbitragem e registro, com a capaci- dade de conferir a legalidade dos votos expressos. As trabalha- doras e os trabalhadores devem ser informados do conteúdo dos acordos coletivos. Além disso, a nova legislação cria tribu- nais de trabalho nos níveis estadual e federal e estabelece meca- nismos para acelerar os procedimentos. A legislação também estabelece os prazos para a implementação das medidas plane- jadas e para a criação de tribunais independentes de trabalho.
No entanto, tanto a AFL-CIO quanto vários representantes demo- cratas continuaram céticos em relação à capacidade do estado mexicano de implementar a reforma. Devido à recessão que o México está passando, o governo de AMLO está implementando políticas de austeridade que também afetam o Ministério do Traba- lho. Como exemplo, para alcançar a proporção de trabalhadores em relação aos inspetores do trabalho recomendados pela OIT, o número de inspetores deve aumentar para 5.600, dos 1.000 atual- mente empregados (Feingold, 2019). Os sindicatos independentes do México também suspeitam que tanto as administrações das empresas quanto os sindicatos que assinam «acordos de proteção» oferecerão resistência em vários níveis (Cisneros, 2019). Em termos gerais, a capacidade do estado mexicano de fazer cumprir as dispo- sições legais é considerada baixa. Por esse motivo, o movimento operário norte-americano e seus aliados democratas insistiram nas emendas ao USMCA.
As emendas ao USMCA e à Lei de Implementação
Depois que o Partido Democrata conquistou a maioria dos assentos da Câmara de Representantes nas eleições de novem- bro de 2018, o governo de Trump teve que levar em considera- ção suas preocupações para garantir a aprovação do USMCA. Com base em sua proximidade política com os democratas, a AFL-CIO podia conseguir tirar proveito da situação para influen- ciar na ratificação. Portanto, o representante de Comércio dos Estados Unidos propôs ao governo mexicano a introdução de uma emenda referente ao cumprimento das reformas do direito trabalhista. A referida iniciativa foi materializada no acordo sobre o Mecanismo Trabalhista de Resposta Rápida (Anexo 31-A referente aos Estados Unidos-México, Anexo 31-B referente a Canadá-México), cujos detalhes foram especificados na Lei de Implementação.
O Mecanismo Trabalhista de Resposta Rápida visa abordar situações em que a liberdade de associação sindical e a negocia- ção coletiva oferecidas pela nova legislação trabalhista são negadas em determinados estabelecimentos específicos. Esse foco em estabelecimentos específicos não tem precedentes; as cláusulas de direitos trabalhistas, anteriormente incluídas em acordos de livre comércio, tratavam da incapacidade do governo de alcançar o cumprimento efetivo da legislação trabalhista. As violações específicas que forem cometidas em uma fábrica específica estavam fora do escopo de tais acordos. A emenda prevê a criação de um painel de resposta trabalhista rápida de especialistas que compõem uma lista previamente acordada. Quando o painel recebe uma reclamação dos trabalhadores,pode iniciar uma investigação se «tem a convicção de boa fé de que os direitos trabalhistas dos trabalhadores em um estabeleci- mento contemplado estão sendo negados». A investigação pode incluir uma visita ao estabelecimento em questão e todas as etapas do processo deverão ser concluídas dentro de prazos pré- determinados. Se a negação de direitos não for sanada dentro de 120 dias, o representante de Comércio poderá (mas não deverá) recomendar que o Secretário do Tesouro (na qualidade de responsável da alfândega dos EUA) «negue a entrada de mercadorias» ou «aplique tarifas ou multas» às mercadorias produzidas pela fábrica infratora. Está prevista a opção de que, no início do processo, as mercadorias da fábrica incriminada fiquem «para liquidar», ou seja, que as tarifas a serem pagas não sejam determinadas definitivamente, a fim de permitir a imposi- ção de sanções subsequentes às mercadorias. Durante todo o processo, o representante de Comércio deve consultar as comis- sões competentes do Congresso para que elas exerçam sua função de controle sobre a administração que possivelmente não esteja muito relacionada aos trabalhadores.
Inicialmente, alguns senadores democratas propuseram que os inspetores de trabalho dos Estados Unidos tivessem o poder de examinar as denúncias in situ, mas o governo mexicano se opôs a essa vulneração de sua soberania. Como solução consensual, foi acordada a formação de um painel constituído de comum acordo com especialistas de ambos os países.
A Lei de Implementação também estipula a criação de uma Comissão Interinstitucional de Assuntos Trabalhistas para o Monitoramento e a Implementação que «avaliará semestral- mente até que ponto o México cumpre suas obrigações» em relação às reformas do direito trabalhista que foram acordadas e, «especialmente, se o os fundos fornecidos pelo México são consistentes com o compromisso assumido» (Título VII, seção 714). A comissão terá o apoio do Comitê Independente de Espe- cialistas Trabalhistas do México, cujos 12 membros serão nome- ados por ambos partidos representados no Congresso e pela Comissão Consultiva para Assuntos Trabalhistas do Escritório dos Representantes de Comércio sob controle sindical. No caso de determinar o descumprimento das obrigações pelo México, a comissão recomendará ações para garantir o cumprimento. Também será estabelecida uma linha direta para os trabalhado- res mexicanos, e o Ministério do Trabalho deverá contratar cinco adidos trabalhistas que terão a tarefa de ajudar a comissão «a monitorar e fazer cumprir» as obrigações trabalhistas do Méxi- co. Finalmente, o Grupo de Trabalho contra o Trabalho Forçado, sob o comando do Ministério da Segurança Interna, tratará de questões sobre trabalho infantil e trabalho forçado.
Modelos para o futuro?
Devido à natureza abrangente dos mecanismos de implementa- ção, espera-se que as reformas trabalhistas mexicanas sejam colocadas em prática e fortaleçam os direitos dos trabalhadores naquele país. Portanto, esses mecanismos devem ser levados em consideração para outros acordos comerciais. Eles foram possíveis graças a um conjunto de fatores, incluindo a pressão dos Estados Unidos, um governo mexicano favorável aos traba- lhadores e os democratas em clara oposição ao presidente. Resta saber se, no futuro, as circunstâncias serão igualmente favoráveis ao uso dessa linguagem contratual firme.
Christoph Scherrer é professor de Globalização e Política na Universidade de Kassel, Alemanha; diretor executivo do Centro Internacional para o Desenvolvimento e o Trabalho Decente; e membro do comitê diretor da Universidade Global do Traba- lho.
Referências bibliográficas
Cisneros, G. (2019) ‘Testimony for Mexico’s Labor Reform: Opportuni- ties and Challenges for an Improved NAFTA’ [`Evidências para a reforma trabalhista do México: oportunidades e desafios para um NAFTA aprimorado], Comitê de Meios e Arbítrios, Congresso dos Estados Unidos, 25 de junho.
Center for Global Workers’ Rights (2019) Labour Rights Indicators [Indicadores de direitos trabalhistas do Centro dos Direitos Globais dos Trabalhadores (2019)].
Feingold, C. (2019) ‘Testimony for Mexico’s Labor Reform: Opportuni- ties and Challenges for an Improved NAFTA’ [`Evidências para a reforma trabalhista do México: oportunidades e desafios para um NAFTA aprimorado], Comitê de Meios e Arbítrios, Congresso dos Estados Unidos, 25 de junho.
Protocolo de Emendas.
USMCA Implementation Act [Lei de Implementação do USMCA].
Palavras chaves: Labour rights, Mexico, Trade Agreement, USMCA [Direitos trabalhistas, México, acordo comercial, USMCA].
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
Referências bibliográficas
Cisneros, G. (2019) ‘Testimony for Mexico’s Labor Reform: Opportuni- ties and Challenges for an Improved NAFTA’ [`Evidências para a reforma trabalhista do México: oportunidades e desafios para um NAFTA aprimorado], Comitê de Meios e Arbítrios, Congresso dos Estados Unidos, 25 de junho.
Center for Global Workers’ Rights (2019) Labour Rights Indicators [Indicadores de direitos trabalhistas do Centro dos Direitos Globais dos Trabalhadores (2019)].
Feingold, C. (2019) ‘Testimony for Mexico’s Labor Reform: Opportuni- ties and Challenges for an Improved NAFTA’ [`Evidências para a reforma trabalhista do México: oportunidades e desafios para um NAFTA aprimorado], Comitê de Meios e Arbítrios, Congresso dos Estados Unidos, 25 de junho.
Protocolo de Emendas.
USMCA Implementation Act [Lei de Implementação do USMCA].
Palavras chaves: Labour rights, Mexico, Trade Agreement, USMCA [Direitos trabalhistas, México, acordo comercial, USMCA].
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.