Ao longo das últimas décadas, o efeito redistributivo do sistema tributário da maioria dos países da OCDE foi substancial e deliberadamente enfraquecido por políticas tributárias que diminuíram a carga tributária sobre a riqueza. As alíquotas do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas foram muito reduzidas e dispositivos especiais privilegiam a renda do capital. Ao mesmo tempo, indivíduos e corporações ricas vêm utilizando-se cada vez mais da evasão e da elisão fiscais pela transferência de renda ou lucro para países com menor taxação. Se essa tendência persistir, as disparidades na distribuição de renda continuarão a aumentar. E, no longo prazo, o financiamento do estado de bem-estar social estará seriamente ameaçado.
No entanto, o estresse orçamentário vivido desde a Grande Recessão e o aumento significativo da disparidade na distribuição de renda e riqueza recolocaram as reformas tributárias progressivas de volta na agenda de muitos países da OCDE. Há alguns sinais de que a tendência de queda na taxação redistributiva pode estar próxima de parar (Godar, Paetz & Truger, 2014). Inúmeras instituições internacionais também vêm comentando de maneira mais ou menos progressista sobre como realizar uma consolidação fiscal por meio de uma reforma tributária socialmente aceita.
No entanto, o estresse orçamentário vivido desde a Grande Recessão e o aumento significativo da disparidade na distribuição de renda e riqueza recolocaram as reformas tributárias progressivas de volta na agenda de muitos países da OCDE. Há alguns sinais de que a tendência de queda na taxação redistributiva pode estar próxima de parar (Godar, Paetz & Truger, 2014). Inúmeras instituições internacionais também vêm comentando de maneira mais ou menos progressista sobre como realizar uma consolidação fiscal por meio de uma reforma tributária socialmente aceita.
Apesar desses sinais animadores, uma mudança abrangente e sistêmica de política não está a caminho. O argumento padrão do mainstream – argumento que ainda parece altamente eficiente, politicamente – opôs-se a essa mudança com base no trade-off entre equidade e eficiência. A visão dominante é que impostos mais altos sobre os ganhos pessoais, a renda empresarial e a riqueza são prejudiciais ao crescimento e ao emprego, e aumentam a evasão fiscal (OCDE, 2012: 39).
Entretanto, um exame cuidadoso desse saber microeconômico neoclássico tradicional demonstra que o argumento contrário a uma taxação mais progressiva é bastante mais débil do que se pretende (Godar, Paetz & Truger, 2014). Mesmo entre as abordagens mais tradicionais, tanto de uma perspectiva teórica quanto empírica, os efeitos adversos sobre o crescimento e o emprego e a erosão da base tributária podem não ser tão grandes.
Ademais, fatores outros que não a tributação (a condição cíclica da economia, investimentos em infraestrutura, gastos com pesquisa e desenvolvimento e o sistema educacional como provedor de mão de obra qualificada) mostram-se muito mais importantes para o crescimento e o emprego. Se esses fatores puderem ser aprimorados por despesas públicas custeadas pela tributação progressiva, é possível que o efeito econômico mais amplo venha a ser positivo.
Portanto, o suposto trade-off entre tributação progressiva e crescimento e emprego não seria tão importante até mesmo da perspectiva microeconômica (vide Atkinson, 2015). Entretanto, mantém-se o problema de que, no âmbito da teoria tributária microeconômica neoclássica, os proponentes da tributação progressiva sempre assumem uma postura em defesa do pressuposto padrão de que a tributação progressiva é prejudicial ao crescimento e ao emprego. Porém, de uma perspectiva macroeconômica mais keynesiana – que ganhou considerável influência depois da falência do modelo econômico tradicional e da grande Grande Recessão –, a tributação pode ser vista como sistematicamente conducente ao crescimento e ao emprego tanto no curto quanto no longo prazo.
A perspectiva macroeconômica: tributação progressiva para maior crescimento e emprego
Entretanto, um exame cuidadoso desse saber microeconômico neoclássico tradicional demonstra que o argumento contrário a uma taxação mais progressiva é bastante mais débil do que se pretende (Godar, Paetz & Truger, 2014). Mesmo entre as abordagens mais tradicionais, tanto de uma perspectiva teórica quanto empírica, os efeitos adversos sobre o crescimento e o emprego e a erosão da base tributária podem não ser tão grandes.
Ademais, fatores outros que não a tributação (a condição cíclica da economia, investimentos em infraestrutura, gastos com pesquisa e desenvolvimento e o sistema educacional como provedor de mão de obra qualificada) mostram-se muito mais importantes para o crescimento e o emprego. Se esses fatores puderem ser aprimorados por despesas públicas custeadas pela tributação progressiva, é possível que o efeito econômico mais amplo venha a ser positivo.
Portanto, o suposto trade-off entre tributação progressiva e crescimento e emprego não seria tão importante até mesmo da perspectiva microeconômica (vide Atkinson, 2015). Entretanto, mantém-se o problema de que, no âmbito da teoria tributária microeconômica neoclássica, os proponentes da tributação progressiva sempre assumem uma postura em defesa do pressuposto padrão de que a tributação progressiva é prejudicial ao crescimento e ao emprego. Porém, de uma perspectiva macroeconômica mais keynesiana – que ganhou considerável influência depois da falência do modelo econômico tradicional e da grande Grande Recessão –, a tributação pode ser vista como sistematicamente conducente ao crescimento e ao emprego tanto no curto quanto no longo prazo.
A perspectiva macroeconômica: tributação progressiva para maior crescimento e emprego
A perspectiva macroeconômica enfoca os efeitos potencialmente positivos da tributação progressiva na demanda agregada. Um primeiro enfoque parte do efeito no consumo privado, que depende, sobretudo, da renda disponível corrente. Daí decorreria um relacionamento negativo entre consumo privado e o grau de desigualdade da distribuição da renda pessoal. A propensão marginal a consumir tende a decrescer na proporção em que a renda disponível do domicílio aumenta. Portanto, a redistribuição dos domicílios com rendas mais baixas para os domicílios com rendas mais elevadas, em geral, resulta em consumo menor e maior poupança. Portanto, uma correção tributária das disparidades na distribuição da renda fortaleceria o consumo privado e, por conseguinte, aumentaria o crescimento e o emprego.
Uma tributação que altere a distribuição funcional da renda – a distribuição da renda nacional entre trabalho e capital – também pode produzir efeitos positivos. A redistribuição dos capitalistas aos trabalhadores pode ser conducente ao crescimento porque a propensão a consumir do lucro tende a ser menor do que a propensão a consumir da renda do trabalho. Nesse sentido, uma tributação mais progressiva da renda pessoal bem como uma maior taxação dos lucros das empresas pode contribuir para o crescimento.
Um segundo enfoque propõe o uso de receita tributária adicional para financiar gastos públicos adicionais. Seguindo o exemplo padrão dos manuais, essa política deve ser expansiva porque, de modo geral, pode-se assumir que o multiplicador do gasto público adicional seja maior do que o multiplicador negativo da receita – um resultado amplamente confirmado pela maioria das estimativas empíricas de multiplicadores (Gechert 2015). Uma vez que o multiplicador do gasto público em investimento e consumo tem enorme probabilidade de ser maior do que o multiplicador de cortes tributários e transferências para domicílios de baixa e média rendas, o efeito expansivo por certo seria maior do que o efeito da redistribuição neutra da receita dentro do sistema tributário.
Neste momento, é muito provável que uma tal política de redistribuição seja a única maneira para que a Zona do Euro possa cumprir com as Regras Fiscais Europeias sem aumentar os desequilíbrios macroeconômicos que passaram a ser vistos, por muitos observadores, como a causa primeira da crise financeira e econômica de 2008 e 2009, e ainda da crise do Euro. Na Europa, os países com grandes superávits em conta corrente devem reduzir esses superávits para permitir o reequilíbrio externo no âmbito da Zona do Euro. De uma perspectiva macroeconômica, isso pode ser realizado seja permitindo déficits públicos mais altos ou reduzindo os enormes superávits do setor privado. Se a arquitetura fiscal impede déficits mais altos, então a única maneira é reduzir os superávits do setor privado, isto é, pela redução da poupança dos domicílios e das empresas ou pelo aumento do investimento empresarial (vide Godar, Paetz & Truger, 2015; Hein & Truger, 2014).
Como argumentamos acima, políticas tributárias progressivas poderiam ser usadas para corrigir saldos setoriais. Uma reforma tributária neutra do ponto de vista da receita que aumente a carga tributária das rendas altas, da riqueza e dos lucros das empresas e reduza a carga tributária incidente sobre as rendas baixa e média reduziria o superávit do setor privado via uma redução esperada da taxa de poupança. Se a redistribuição levar a um maior consumo privado, poder-se-ia associá-la a uma demanda crescente e a expectativas de lucros mais altos pelas empresas, o que as levaria a fortalecer o investimento real e, assim, a reduzir o superávit do setor empresarial. O aumento na demanda interna melhoraria em parte o saldo orçamentário e também reduziria os superávits em conta corrente.
Se ao menos parte da receita auferida com uma reforma tributária progressiva fosse usada para expandir o investimento, bem como as transferências e as compras de bens e serviços por parte do governo, poder-se-ia esperar um crescimento interno mais forte devido aos multiplicadores mais altos do lado da despesa, o que também deveria corresponder a uma maior correção dos saldos setoriais.
Conclusões para políticas tributárias nacionais
Uma tributação que altere a distribuição funcional da renda – a distribuição da renda nacional entre trabalho e capital – também pode produzir efeitos positivos. A redistribuição dos capitalistas aos trabalhadores pode ser conducente ao crescimento porque a propensão a consumir do lucro tende a ser menor do que a propensão a consumir da renda do trabalho. Nesse sentido, uma tributação mais progressiva da renda pessoal bem como uma maior taxação dos lucros das empresas pode contribuir para o crescimento.
Um segundo enfoque propõe o uso de receita tributária adicional para financiar gastos públicos adicionais. Seguindo o exemplo padrão dos manuais, essa política deve ser expansiva porque, de modo geral, pode-se assumir que o multiplicador do gasto público adicional seja maior do que o multiplicador negativo da receita – um resultado amplamente confirmado pela maioria das estimativas empíricas de multiplicadores (Gechert 2015). Uma vez que o multiplicador do gasto público em investimento e consumo tem enorme probabilidade de ser maior do que o multiplicador de cortes tributários e transferências para domicílios de baixa e média rendas, o efeito expansivo por certo seria maior do que o efeito da redistribuição neutra da receita dentro do sistema tributário.
Neste momento, é muito provável que uma tal política de redistribuição seja a única maneira para que a Zona do Euro possa cumprir com as Regras Fiscais Europeias sem aumentar os desequilíbrios macroeconômicos que passaram a ser vistos, por muitos observadores, como a causa primeira da crise financeira e econômica de 2008 e 2009, e ainda da crise do Euro. Na Europa, os países com grandes superávits em conta corrente devem reduzir esses superávits para permitir o reequilíbrio externo no âmbito da Zona do Euro. De uma perspectiva macroeconômica, isso pode ser realizado seja permitindo déficits públicos mais altos ou reduzindo os enormes superávits do setor privado. Se a arquitetura fiscal impede déficits mais altos, então a única maneira é reduzir os superávits do setor privado, isto é, pela redução da poupança dos domicílios e das empresas ou pelo aumento do investimento empresarial (vide Godar, Paetz & Truger, 2015; Hein & Truger, 2014).
Como argumentamos acima, políticas tributárias progressivas poderiam ser usadas para corrigir saldos setoriais. Uma reforma tributária neutra do ponto de vista da receita que aumente a carga tributária das rendas altas, da riqueza e dos lucros das empresas e reduza a carga tributária incidente sobre as rendas baixa e média reduziria o superávit do setor privado via uma redução esperada da taxa de poupança. Se a redistribuição levar a um maior consumo privado, poder-se-ia associá-la a uma demanda crescente e a expectativas de lucros mais altos pelas empresas, o que as levaria a fortalecer o investimento real e, assim, a reduzir o superávit do setor empresarial. O aumento na demanda interna melhoraria em parte o saldo orçamentário e também reduziria os superávits em conta corrente.
Se ao menos parte da receita auferida com uma reforma tributária progressiva fosse usada para expandir o investimento, bem como as transferências e as compras de bens e serviços por parte do governo, poder-se-ia esperar um crescimento interno mais forte devido aos multiplicadores mais altos do lado da despesa, o que também deveria corresponder a uma maior correção dos saldos setoriais.
Conclusões para políticas tributárias nacionais
Em nível internacional, o consenso generalizado quanto à necessidade de combater a evasão fiscal e limitar a elisão fiscal, bem como de introduzir um imposto sobre transação financeira, deve ser usado para lavar a cabo tais reformas da maneira mais ambiciosa possível (OCDE 2013a e 2013b).
Entretanto, as políticas tributárias nacionais devem perseguir um nível substancialmente mais alto de tributação redistributiva, mesmo que sem coordenação internacional e independentemente do sucesso das medidas no exterior. O escopo para políticas tributárias progressivas em nível nacional demonstrou-se consideravelmente maior do que o alegado pela visão tradicional predominante. Portanto, as políticas tributárias não precisam limitar seus esforços às tímidas medidas propostas por muitas instituições internacionais influentes como ampliar a base tributária e aumentar a tributação incidente sobre propriedades residenciais, ao mesmo tempo em que devem evitar as consequências distributivas demasiado negativas decorrentes do aumento da tributação sobre o consumo.
Ao contrário, para muitos governos nacionais há considerável flexibilidade para aumentar as alíquotas do imposto das rendas pessoais superiores, o imposto de renda sobre as empresas e a tributação dos ganhos de capital em geral. Os governos nacionais devem valer-se dessa flexibilidade porque isso aumentaria as receitas para finalidades públicas essenciais e reduziria a desigualdade, ao mesmo tempo em que incentivam reformas progressivas em nível internacional.
Este artigo está baseado na obra de Godar, Paetz e Truger (2015), que a sua vez parte dos resultados do pacote de trabalho ‘Políticas Redistributivas’ do projeto de pesquisa da Universidade Global do Trabalho ‘Combatendo a Desigualdade’, que foi financiado pela Fundação Hans Böckler de Dusseldorf, Alemanha (http://www.global-labouruniversity.org/353.html).
Entretanto, as políticas tributárias nacionais devem perseguir um nível substancialmente mais alto de tributação redistributiva, mesmo que sem coordenação internacional e independentemente do sucesso das medidas no exterior. O escopo para políticas tributárias progressivas em nível nacional demonstrou-se consideravelmente maior do que o alegado pela visão tradicional predominante. Portanto, as políticas tributárias não precisam limitar seus esforços às tímidas medidas propostas por muitas instituições internacionais influentes como ampliar a base tributária e aumentar a tributação incidente sobre propriedades residenciais, ao mesmo tempo em que devem evitar as consequências distributivas demasiado negativas decorrentes do aumento da tributação sobre o consumo.
Ao contrário, para muitos governos nacionais há considerável flexibilidade para aumentar as alíquotas do imposto das rendas pessoais superiores, o imposto de renda sobre as empresas e a tributação dos ganhos de capital em geral. Os governos nacionais devem valer-se dessa flexibilidade porque isso aumentaria as receitas para finalidades públicas essenciais e reduziria a desigualdade, ao mesmo tempo em que incentivam reformas progressivas em nível internacional.
Este artigo está baseado na obra de Godar, Paetz e Truger (2015), que a sua vez parte dos resultados do pacote de trabalho ‘Políticas Redistributivas’ do projeto de pesquisa da Universidade Global do Trabalho ‘Combatendo a Desigualdade’, que foi financiado pela Fundação Hans Böckler de Dusseldorf, Alemanha (http://www.global-labouruniversity.org/353.html).
Sarah Godar é pesquisadora assistente do Programa de Mestrado em Política Tributária e Administração Tributária do Departamento de Administração e Economia da Escola de Economia e Direito de Berlim.
Achim Truger é professor de economia, em particular, de macroeconomia e política econômica, da Escola de Economia e Direito de Berlim e pesquisador sênior do Instituto de Política Macroeconômica (IMK) da Fundação Hans Böckler de Dusseldorf, Alemanha.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
Achim Truger é professor de economia, em particular, de macroeconomia e política econômica, da Escola de Economia e Direito de Berlim e pesquisador sênior do Instituto de Política Macroeconômica (IMK) da Fundação Hans Böckler de Dusseldorf, Alemanha.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
Referências
Atkinson, A.B. (2015), Inequality. What can be done? London: Harvard University Press.
Gechert, S. (2015), ‘What fiscal policy is most effective? A meta-regression analysis,’ Oxford Economic Papers 67 (3): 553-580.
Godar S., Paetz, C., and A. Truger (2014), ‘Progressive Tax Reforms in OECD Countries: Opportunities and obstacles,’ International Journal of Labour Research, 6 (1): 95–111
Godar, S., Paetz, C. and A. Truger (2015), ‘The Scope for Progressive Tax Reform in the OECD Countries: A Macroeconomic Perspective with a Case Study for Germany,’ Revue de l’OFCE, 141: 79-117
Hein, E., and A. Truger (2014), ‘Fiscal policy and rebalancing in the Euro area: A critique of the German debt brake from a Post-Keynesian perspective,’ Panoeconomicus 61 (1): 21-38.
OECD (2012), ‘OECD's Current Tax Agenda 2012,’ Paris: Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD).
OECD (2013a), Addressing Base Erosion and Profit Shifting, OCDE Publishing.
OECD (2013b), Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, OECD Publishing.