Oscar Fischer |
Mais de um milhão de refugiados chegaram à Alemanha em 2015, a maioria fugindo da Guerra civil da Síria e os demais vindo dos estados balcânicos, do Afeganistão, do Iraque e do norte da África. Como devem os sindicatos responder à “crise dos refugiados” em meio a uma guinada à direita no debate público?
O debate atual na Alemanha
O debate público está principalmente preocupado com a chamada “crise dos refugiados”, uma expressão que sugere que os refugiados são culpados pela crise econômica e pela crescente desigualdade social na Alemanha e na Europa. A “Chanceler de Ferro” Angela Merkel agora enfrenta um forte ataque da direita dentro de sua própria coalizão de governo, embora ela mesma seja a responsável pelo endurecimento das leis de asilo. O Ministério do Interior divulgou que menos da metade daqueles pleiteando asilo teve seus pedidos concedidos (Ministério do Interior, 2016).
Pegida, um movimento político de direita cujo nome decorre de Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente, vem organizando manifestações semanais por toda a Alemanha há mais de um ano. Entre outras coisas, esse movimento exige o fechamento das fronteiras e a deportação daqueles em busca de asilo. Enquanto isso, uma onda terrorista de direita varria a Alemanha no ano passado com centenas de incêndios criminosos de instalações de refugiados e inúmeras agressões contra imigrantes.
O novo partido antieuro de direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) transfere as exigências do Pegida para a arena legislativa. A AfD ainda não tem representação no parlamento federal alemão, mas já ocupa assento em diversos parlamentos estaduais e atualmente conta com cerca de 10% nas pesquisas nacionais.
O debate sobre os refugiados tem lugar depois de uma década de perdas da classe trabalhadora que começou pelas leis Hartz IV de 2003, que cortaram o seguro-desemprego, e continuou com a precarização e um enorme aumento da terceirização. Consequentemente, muitas pessoas estão temerosas de cortes sociais e de perder suas pensões.
As demandas dos refugiados aos sindicatos
Após o suicídio de um refugiado iraniano em 2012, os refugiados, começando em Wurtzburgo, na Bavária, passaram a fundar inúmeros grupos de protesto por toda a Alemanha para exigir o direito de ficar e a abolição das restrições contra sua liberdade individual. Depois de um ano de ações como ocupações e greves de fome, um grupo de autodenominados “Não Cidadãos” ocupou o prédio de Munique do distrito bávaro da Confederação de Sindicatos Alemães (DGB, do alemão Deutscher Gewerkschaftsbund) e emitiu a seguinte declaração:
Cerca de um ano depois, o auto-organizado grupo Luta dos Refugiados por Liberdade ocupou o prédio da DGB Berlim-Brandemburgo, de onde exigiu apoio político a seu direito de trabalhar e de viver na Alemanha, permissão para reunir-se com atores políticos e sindicais responsáveis por questões de refugiados e o direito à sindicalização com pleno amparo legal. E declararam solidariedade aos trabalhadores precarizados, caso dos grevistas da Amazon (Luta dos Refugiados por Liberdade, 2014). No entanto, passada uma semana de negociações infrutíferas, a DGB Berlim-Brandemburgo colocou uma faixa com os dizeres “Ajudar os refugiados? Sim. Ocupar nossa casa? Não” e chamou a polícia para despejar os refugiados à força.
Organizações sindicais de toda a Alemanha protestaram contra a decisão da DGB de Berlim-Brandemburgo com declarações como “Não em nosso nome – Refugiados Bem-vindos” (LabourNet Alemanha, 2014) e pequenas ações de protesto. A organização da juventude do ver.di, um sindicato do setor de serviços filiado à DGB, iniciou uma campanha pelo direito dos refugiados à sindicalização.
O interesse comum de trabalhadores refugiados e não refugiados
O sindicato ver.di tem cerca de dois milhões de filiados e é o segundo maior sindicato da Alemanha. O ver.di organiza diferentes trabalhadores do setor de serviços, de educadores a trabalhadores dos correios, enquanto muitos empregos precários encontram-se no setor de serviços. Em setembro de 2015, o congresso nacional do ver.di, que ocorre a cada quatro anos, recomendou que a filiação ao ver.di fosse aberta aos refugiados, legalizando assim a sindicalização de 300 refugiados que em 2013 já haviam conseguido filiação não oficial junto ao sindicato de Hamburgo. A regional sindical de Hamburgo apoiou o grupo de refugiados Lampedusa em Hamburgo e suas demandas por habitação, pelo direito de trabalhar legalmente, por educação, assistência médica e social e pelo direito a residência dentro da União Europeia (Refugiados líbios, 2013). Essa prática, limitada localmente e simbólica, foi objeto de muita controvérsia dentro do ver.di, mas a resolução final de seu congresso de 2015 declarava que:
Mas a principal preocupação dos refugiados na Alemanha continua a ser seu status de residência incerto, já que provavelmente serão deportados se não obtiverem o status de asilo oficial na Alemanha. Embora isso ameace suas condições de vida e de trabalho, os refugiados ainda não estão recebendo assessoria de seus sindicatos com relação à legislação sobre o asilo.
A situação dos refugiados na Alemanha está piorando. Eles são ameaçados pelo movimento da direita bem como de deportação, e ainda por condições de vida desumanas nos campos de refugiados e superexploração em empregos indocumentados. Os sindicatos filiados à DGB têm feito diversas declarações pró-refugiados, mas nem organizam grandes manifestações e greves em favor do direito dos refugiados de trabalhar e de ficar na Alemanha, nem fornecem apoio legal em relação ao asilo.
Uma resposta progressista à duradoura crise europeia e às mobilizações da direita contra os refugiados e os migrantes deve combinar demandas econômicas e políticas. Quem deve pagar pela crise? A única resposta em favor da classe trabalhadora como um todo é “Nem os trabalhadores refugiados nem os não refugiados, mas a classe capitalista”. Um milhão de refugiados na Alemanha – isso significa um milhão de potenciais novos empregados. Estes, em sua maioria, devem tornar-se trabalhadores precarizados, muitos, indocumentados. Se a classe trabalhadora alemã confrontar seu próprio chauvinismo e se mobilizar contra as deportações e por plenos direitos democráticos, então haverá um milhão de potenciais trabalhadores para lutar por condições comuns à sua classe. Por fim, combinar exigências pró-refugiados com demandas sociais, como salário mínimo mais alto para todos, redução da jornada de trabalho sem redução do salário e o fim de condições de trabalho precárias, será a resposta progressista aos ataques de extrema-direita da AfD e do Pegida.
O debate atual na Alemanha
O debate público está principalmente preocupado com a chamada “crise dos refugiados”, uma expressão que sugere que os refugiados são culpados pela crise econômica e pela crescente desigualdade social na Alemanha e na Europa. A “Chanceler de Ferro” Angela Merkel agora enfrenta um forte ataque da direita dentro de sua própria coalizão de governo, embora ela mesma seja a responsável pelo endurecimento das leis de asilo. O Ministério do Interior divulgou que menos da metade daqueles pleiteando asilo teve seus pedidos concedidos (Ministério do Interior, 2016).
Pegida, um movimento político de direita cujo nome decorre de Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente, vem organizando manifestações semanais por toda a Alemanha há mais de um ano. Entre outras coisas, esse movimento exige o fechamento das fronteiras e a deportação daqueles em busca de asilo. Enquanto isso, uma onda terrorista de direita varria a Alemanha no ano passado com centenas de incêndios criminosos de instalações de refugiados e inúmeras agressões contra imigrantes.
O novo partido antieuro de direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) transfere as exigências do Pegida para a arena legislativa. A AfD ainda não tem representação no parlamento federal alemão, mas já ocupa assento em diversos parlamentos estaduais e atualmente conta com cerca de 10% nas pesquisas nacionais.
O debate sobre os refugiados tem lugar depois de uma década de perdas da classe trabalhadora que começou pelas leis Hartz IV de 2003, que cortaram o seguro-desemprego, e continuou com a precarização e um enorme aumento da terceirização. Consequentemente, muitas pessoas estão temerosas de cortes sociais e de perder suas pensões.
As demandas dos refugiados aos sindicatos
Após o suicídio de um refugiado iraniano em 2012, os refugiados, começando em Wurtzburgo, na Bavária, passaram a fundar inúmeros grupos de protesto por toda a Alemanha para exigir o direito de ficar e a abolição das restrições contra sua liberdade individual. Depois de um ano de ações como ocupações e greves de fome, um grupo de autodenominados “Não Cidadãos” ocupou o prédio de Munique do distrito bávaro da Confederação de Sindicatos Alemães (DGB, do alemão Deutscher Gewerkschaftsbund) e emitiu a seguinte declaração:
[...] acreditando que nossa luta é luta de classe, começamos nossa greve no prédio da DGB. Com base em nosso entendimento comum de luta de classe, esperamos que a DGB assegure nossa segurança para que continuemos nosso protesto pacífico. Caso contrário, do lado de fora destas portas nos aguarda uma brutal repressão policial. Nós, Não Cidadãos em greve (requerendo asilo), exigimos:Durante sua estadia no prédio da DGB, os refugiados exigiram ainda sua sindicalização. Sua declaração refletiu as discussões em andamento entre os refugiados auto-organizados sobre se eles seriam excluídos da sociedade (em uma abordagem autônoma ou pós-estrutural) ou o “estrato mais baixo da classe trabalhadora” (em uma abordagem marxista) (Fischer, 2014). Após uma semana, a ocupação terminou com um acordo e nenhum resultado concreto – mas o debate havia começado.
1. Aceitação de nossos pedidos de asilo sem qualquer condição. 2. Fim das deportações. 3. Revogação do 'Residenzpflicht' [isto é, da obrigação de permanecer em um dado distrito]. 4. Fechamento de todos os campos para asilados (Luta dos Refugiados por Liberdade, 2013).
Cerca de um ano depois, o auto-organizado grupo Luta dos Refugiados por Liberdade ocupou o prédio da DGB Berlim-Brandemburgo, de onde exigiu apoio político a seu direito de trabalhar e de viver na Alemanha, permissão para reunir-se com atores políticos e sindicais responsáveis por questões de refugiados e o direito à sindicalização com pleno amparo legal. E declararam solidariedade aos trabalhadores precarizados, caso dos grevistas da Amazon (Luta dos Refugiados por Liberdade, 2014). No entanto, passada uma semana de negociações infrutíferas, a DGB Berlim-Brandemburgo colocou uma faixa com os dizeres “Ajudar os refugiados? Sim. Ocupar nossa casa? Não” e chamou a polícia para despejar os refugiados à força.
Organizações sindicais de toda a Alemanha protestaram contra a decisão da DGB de Berlim-Brandemburgo com declarações como “Não em nosso nome – Refugiados Bem-vindos” (LabourNet Alemanha, 2014) e pequenas ações de protesto. A organização da juventude do ver.di, um sindicato do setor de serviços filiado à DGB, iniciou uma campanha pelo direito dos refugiados à sindicalização.
O interesse comum de trabalhadores refugiados e não refugiados
O sindicato ver.di tem cerca de dois milhões de filiados e é o segundo maior sindicato da Alemanha. O ver.di organiza diferentes trabalhadores do setor de serviços, de educadores a trabalhadores dos correios, enquanto muitos empregos precários encontram-se no setor de serviços. Em setembro de 2015, o congresso nacional do ver.di, que ocorre a cada quatro anos, recomendou que a filiação ao ver.di fosse aberta aos refugiados, legalizando assim a sindicalização de 300 refugiados que em 2013 já haviam conseguido filiação não oficial junto ao sindicato de Hamburgo. A regional sindical de Hamburgo apoiou o grupo de refugiados Lampedusa em Hamburgo e suas demandas por habitação, pelo direito de trabalhar legalmente, por educação, assistência médica e social e pelo direito a residência dentro da União Europeia (Refugiados líbios, 2013). Essa prática, limitada localmente e simbólica, foi objeto de muita controvérsia dentro do ver.di, mas a resolução final de seu congresso de 2015 declarava que:
Muitas das lutas dos refugiados também são lutas trabalhistas e devem ser reconhecidas como tal. Assim, elas dizem respeito ao interesse comum por melhores condições de trabalho. Os refugiados lutam contra a exploração radical sob condições ilegais [...] em nível político o ver.di está ativamente engajado em campanhas contra a discriminação no mercado de trabalho e pela adoção de direitos laborais básicos para os migrantes. As restrições ao acesso a treinamento profissional devem ser abolidas (ver.di, 2015).O “interesse comum” é bem ilustrado pelo debate atual sobre a questão do salário mínimo e dos refugiados. Introduzida em janeiro de 2015, a Lei do Salário Mínimo, de alcance nacional, garante um salário de €8,50 para todo empregado na Alemanha, que, no entanto, é enfraquecido por estágios precários. A maior prestadora de serviços postais do mundo, a Deutsche Post AG, usa essa brecha da lei para demitir funcionários contratados e contratar refugiados como estagiários. Um membro da comissão de trabalhadores da Deutsche Post comentou em entrevista que em sua agência, segundo sua experiência, contratar refugiados “baratos” como estagiários em vez de funcionários regulares reproduz divisões racistas entre os trabalhadores. Muitos trabalhadores alemães demitidos culpam os refugiados pela (possível) perda de seus empregos (Trabalhador do Deutsche Post, 2015). Portanto, é importante que os sindicatos lutem por salário igual para o mesmo trabalho a despeito da residência ou status contratual dos trabalhadores.
Mas a principal preocupação dos refugiados na Alemanha continua a ser seu status de residência incerto, já que provavelmente serão deportados se não obtiverem o status de asilo oficial na Alemanha. Embora isso ameace suas condições de vida e de trabalho, os refugiados ainda não estão recebendo assessoria de seus sindicatos com relação à legislação sobre o asilo.
A situação dos refugiados na Alemanha está piorando. Eles são ameaçados pelo movimento da direita bem como de deportação, e ainda por condições de vida desumanas nos campos de refugiados e superexploração em empregos indocumentados. Os sindicatos filiados à DGB têm feito diversas declarações pró-refugiados, mas nem organizam grandes manifestações e greves em favor do direito dos refugiados de trabalhar e de ficar na Alemanha, nem fornecem apoio legal em relação ao asilo.
Uma resposta progressista à duradoura crise europeia e às mobilizações da direita contra os refugiados e os migrantes deve combinar demandas econômicas e políticas. Quem deve pagar pela crise? A única resposta em favor da classe trabalhadora como um todo é “Nem os trabalhadores refugiados nem os não refugiados, mas a classe capitalista”. Um milhão de refugiados na Alemanha – isso significa um milhão de potenciais novos empregados. Estes, em sua maioria, devem tornar-se trabalhadores precarizados, muitos, indocumentados. Se a classe trabalhadora alemã confrontar seu próprio chauvinismo e se mobilizar contra as deportações e por plenos direitos democráticos, então haverá um milhão de potenciais trabalhadores para lutar por condições comuns à sua classe. Por fim, combinar exigências pró-refugiados com demandas sociais, como salário mínimo mais alto para todos, redução da jornada de trabalho sem redução do salário e o fim de condições de trabalho precárias, será a resposta progressista aos ataques de extrema-direita da AfD e do Pegida.
Oskar Fischer é pós-graduando na Universidade Ludwig Maximilian de Munique, na Alemanha. Este artigo é baseado em estudos para seu doutorado sobre as lutas dos refugiados e os sindicatos na Alemanha. Ele é membro do sindicato GEW de educação e ciência, filiado à DGB.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Fundação Friedrich Ebert.
Referências
Ministério do Interior, (2016) [2015: Mais pedidos de asilo na Alemanha do que nunca] (em alemão).
Trabalhador de serviços postais da Deutsche Post (2015) Entrevista realizada por Oskar Fischer em 30 de novembro em Munique.
Fischer, O. (2014) [The subject of the ‘Non-Citizens’ between hunger strike and the trade unions. A debate on theory and praxis of Post-Structuralism and Marxism]. Tese de Mestrado. Universidade Ludwig Maximilian de Munique (em alemão).
LabourNet Germany, (2014) [Not in our name]: Refugees welcome! Petição (em alemão).
Refugiados líbios, (2013) [We want to be part of society in Hamburg], ver.di Hamburgo, (em alemão).
Luta dos Refugiados por Liberdade, (2013) Declaração Oficial das Marchas de Protesto durante Coletiva de Imprensa em Munique (Nona nota de imprensa).
Luta dos Refugiados por Liberdade, (2014) Refugee Struggle For Freedom [occupy DGB Berlin-Brandenburg]! (em alemão).
ver.di, (2015) [Resolução: Migração e sindicatos] (em alemão).